Ricardo Martins Motta* — O recente acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), que fixou a tese de que o interesse de agir do consumidor em demandas prestacionais depende da tentativa prévia de solução extrajudicial, é um marco relevante para o direito do consumidor e para a defesa dos interesses empresariais. O julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 1.0000.22.157099-7/002 reflete a preocupação do Judiciário em combater a crescente litigância predatória que impacta diretamente a operação das empresas, ao mesmo tempo em que promove um ambiente de maior responsabilidade e equilíbrio nas relações de consumo.
A decisão do TJ-MG está profundamente conectada ao desenvolvimento do sistema de Justiça "multiportas", um modelo que estimula a utilização de meios alternativos de resolução de conflitos, como mediação e conciliação, antes que o litígio chegue ao Judiciário. A Constituição Federal garante o acesso à Justiça como um direito fundamental e o próprio Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente afirmado que o uso do Judiciário deve ser a última instância, após tentativas razoáveis de solução consensual entre as partes.
Esse movimento visa não apenas a desobstruir o Judiciário, mas também promover soluções mais ágeis e menos custosas para todos os envolvidos, incluindo empresas que, frequentemente, tornam-se alvo de demandas judiciais desnecessárias. Com base nessa lógica, o TJ-MG reafirma que a solução judicial é uma "ultima ratio", ou seja, deve ser acionada apenas quando as vias administrativas se mostrarem insuficientes.
Como amplamente já discutido, a litigância predatória é um problema sério que afeta diretamente as operações empresariais, elevando os custos com defesas jurídicas e comprometendo a eficiência dos negócios. Consumidores e advogados que acionam o Judiciário de forma indiscriminada, sem qualquer tentativa prévia de diálogo com as empresas, sobrecarregam o sistema judicial e criam um ambiente hostil à atividade empresarial. Esse tipo de litigância, muitas vezes, motivado por oportunismo ou pela busca de vantagens rápidas, deve ser combatido com firmeza para preservar a integridade do mercado e a confiança nas instituições.
O acórdão do TJ-MG impõe barreiras a essa prática ao exigir a tentativa de solução extrajudicial como condição para o ajuizamento de ações. Ao regulamentar esse procedimento, o Tribunal fortalece o papel de plataformas como o Consumidor.gov, Procons e outros mecanismos de atendimento ao consumidor, dando às empresas uma oportunidade concreta de resolver os conflitos antes que eles se transformem em processos judiciais.
Ao estabelecer que o interesse de agir do consumidor deve ser precedido por uma tentativa efetiva de resolver o conflito diretamente com o fornecedor, o TJ-MG coloca o consumidor em uma posição de maior responsabilidade e comprometimento com a solução consensual. A exigência de provas robustas — como protocolos de SAC, reclamações formais em órgãos competentes ou notificações extrajudiciais com aviso de recebimento — assegura que apenas casos realmente irremediáveis cheguem ao Judiciário.
Esse novo cenário impacta diretamente a atuação dos advogados que defendem os interesses de empresas, especialmente na área do contencioso de consumo. Torna-se imprescindível que os departamentos jurídicos estejam atentos ao registro e armazenamento de todas as tentativas de solução extrajudicial feitas junto aos consumidores, preparando-se para um eventual processo judicial com a documentação necessária para demonstrar a boa-fé da empresa na busca de uma solução amigável.
Para concluir, podemos afirmar que o acórdão do TJ-MG no IRDR Tema 91 é uma vitória para as empresas que, em sua maioria, buscam operar em conformidade com a legislação e com respeito ao consumidor. Ao combater a litigância predatória, o Tribunal protege não apenas o sistema judicial, mas também a sustentabilidade das empresas que, muitas vezes, são alvo de ações judiciais infundadas.
O precedente estabelecido pelo TJ-MG é um marco na busca por um sistema de Justiça mais eficiente e justo. As empresas que investem em atendimento de qualidade e buscam resolver os conflitos de forma amigável têm muito a ganhar com esse novo cenário. Os departamentos jurídicos, por sua vez, devem se preparar para atuar de forma preventiva, evitando litígios e reforçando sua atuação em defesa dos interesses empresariais.
A litigância predatória não apenas desgasta o Judiciário, mas também corrói o mercado. Empresas que investem na resolução extrajudicial de conflitos, ao lado de um Judiciário que impõe barreiras ao abuso do direito de ação, pavimentam o caminho para um ambiente de negócios mais sustentável e eficiente.
*Sócio responsável pela área de relacionamento com o mercado em Viseu Advogados. Advogado especialista em direito do consumidor, membro do Comitê de Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC)
Saiba Mais