Por Raffael de Lucca Sena Masullo* — O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou recentemente a Instrução Normativa GM/MTE 6/2024, de vigência imediata, que traz uma série de informações, diretrizes e esclarecimentos sobre a aplicação da Lei de Igualdade Salarial — Lei
nº 14.611/2023 e seus regulamentos.
Como grande novidade para o setor produtivo e suprindo uma lacuna anteriormente existente, a nova norma indica como a fiscalização trabalhista atuará nessa matéria, especialmente no que se refere aos efeitos da publicação do relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios e ao desenvolvimento do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial.
Também é de interesse o fato de o MTE referendar a prática adotada por muitas empresas na divulgação do primeiro relatório de transparência, em março, ao publicar informações complementares e notas explicativas em documento apartado. Nas notas chanceladas pelo novo normativo, as empresas buscam contextualizar seus dados salariais, falar sobre suas práticas, políticas e cenários específicos relacionados ao tema, ou até mesmo justificar eventuais diferenças salariais, além de apontar distorções identificadas nos cortes e métodos utilizados no relatório elaborado pelo MTE.
Esse procedimento é muitas vezes necessário, uma vez que o referido relatório é emitido de forma automática e com base em parâmetros que podem confundir profissionais com atribuições bastante diferentes. Quanto a esses parâmetros, a nova Instrução Normativa busca esclarecer as fontes, os métodos e os critérios usados pelo Ministério para a elaboração do Relatório, o que certamente ajudará as empresas a realizar um estudo analítico dos dados constantes em seus relatórios, para autodiagnóstico e definição de ações e estratégias de enfrentamento do tema, afastando, de certa forma, o cenário nebuloso que pairava sobre a questão com a publicação da Lei 14.611/2023 e do Decreto 11.795/2023.
No que se refere à fiscalização, a Instrução Normativa aponta ainda que as empresas serão notificadas para comprovar o cumprimento da obrigação de dar publicidade ao Relatório de Transparência Salarial. Além de verificar a publicação dos relatórios, a Auditoria Fiscal do Trabalho apurará a existência ou não de diferenças salariais injustificadas entre os gêneros, com base nos dados contidos no relatório.
Nesse sentido, a nova instrução apresenta exemplos de exceções que justificam as diferenças salariais evidenciadas, como a existência de Planos de Cargos e Salários. Além disso, dispõe que as exceções previstas no Art. 461 da CLT, que estipula regras para equiparação salarial, serão consideradas durante a fiscalização. Trata-se de uma importante reafirmação do texto legal, reforçando que a mera diferença salarial, por si só, não constitui ilícito trabalhista.
Constatada a diferença salarial injustificada entre mulheres e homens pela fiscalização do Trabalho, o empregador será notificado para apresentar o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial em 90 dias. A instrução também estabelece parâmetros e um conteúdo mínimo para o Plano de Ação que deverão ser respeitados pelas empresas, que, dentre outras medidas, precisarão apresentar um cronograma de execução para mitigar a desigualdade salarial.
Outra novidade é a obrigatoriedade da participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho na elaboração e implementação do Plano. Atualmente, as empresas privadas com 100 ou mais empregados devem publicar os Relatórios de Transparência Salarial, disponibilizados pelo MTE, duas vezes ao ano, nos meses de março e setembro, em seus sites, redes sociais ou instrumentos similares, que garantam ampla divulgação aos trabalhadores e ao público em geral, especialmente na localidade onde o estabelecimento está localizado.
O tema, no entanto, continua comportando diversas controvérsias do ponto de vista jurídico. Há ações judiciais em curso, propostas por empresas, sindicatos patronais ou associações, com decisões provisórias que suspendem, em certas medidas e com efeitos específicos, a obrigação de publicar o relatório.
Um exemplo disso é que o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) restabeleceu a liminar que suspende a obrigatoriedade das empresas com 100 ou mais funcionários com carteira assinada de apresentar o relatório ao MTE. A decisão foi tomada no âmbito de uma ação civil pública ajuizada pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG).
A controvérsia trazida pelo tema é delicada. Ao mesmo tempo em que a imposição da publicação do relatório pode representar um importante avanço na luta contra a desigualdade e discriminação de gênero, pode também causar danos irreversíveis à imagem de algumas empresas que, por mais que implementem medidas de incentivo à contratação e promoção de mulheres e de enfrentamento à realidade evidenciada, ainda enfrentam a predominância masculina, sobretudo em alguns setores da economia historicamente dominados por homens.
É de suma importância acompanhar o desenrolar da discussão, que deverá ser debatida em breve pelo STF. O Tribunal já recebeu mais de uma ação questionando a constitucionalidade de dispositivos da Lei 14.611/2023, do Decreto 11.795/2023 e da Portaria MTE 3.714/2023, sendo a última a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 7.631, proposta pelo Partido Novo, distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, também relator da ADI 7.612, ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
*Advogado do Escritório Piquet Magaldi e Guedes, graduado pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB, pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário
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