Entrevista —Tarcisio Vieira de Carvalho Neto

Violência política é um desafio a ser superado para 2026, diz Tarcisio Vieira

"No contexto de práticas ilícitas mais modernas, ainda há enormes desafios a serem superados nos temas da desinformação (fake news e deepfakes), da necessidade de maior participação feminina e da vigorosa mitigação da violência política", diz o ex-ministro do TSE

O ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Tarcisio Vieira de Carvalho Neto preferiu atuar de forma mais discreta nas eleições municipais deste ano, colaborando com algumas candidaturas, mas sem o contundência do trabalho realizado na defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas o advogado, procurador do Distrito Federal, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), acompanhou com o olhar de jurista experiente, com mandato no TSE de 2014 a 2021, o pleito que chega ao primeiro turno no próximo domingo.

Tarcísio avalia que houve "irregularidades em profusão", das tradicionais, como o uso abusivo da máquina administrativa em reeleições, e às contemporâneas, relacionadas a fake news e inteligência artificial. O destaque negativo foram as agressões, especialmente em campanhas para a Prefeitura de São Paulo.

Como avalia a campanha municipal deste ano?

As campanhas eleitorais no Brasil, de há muito, têm se mostrado extremamente disruptivas. Como pontos de destaque pormenorizado, merecem menção o uso massivo da tecnologia e o evidente crescimento exponencial da violência política. Mesmo diante da concepção de engenhosas ferramentas eficientes de combate às chagas antes reveladas, por parte da Justiça Eleitoral, há registros preocupantes de comportamentos írritos por parte dos players eleitorais.

Pelo que o senhor acompanhou, quais foram as principais irregularidades verificadas?

Há irregularidades em profusão, ligadas a problemáticas tradicionais e a outras mais contemporâneas. Dentre as tradicionais, remanescem o uso abusivo da máquina administrativa em reeleições às chefias dos executivos municipais, captação e gastos irregulares — com destaque para o caixa 2 eleitoral — e abuso do poder político e econômico. No contexto de práticas ilícitas mais modernas, ainda há enormes desafios a serem superados nos temas da desinformação (fake news e deepfakes), da necessidade de maior participação feminina e da vigorosa mitigação da violência política.

Houve muitos ataques entre candidatos, principalmente na campanha à Prefeitura de São Paulo, onde até vimos uma agressão física. A Justiça Eleitoral agiu como deveria?

Mesmo desafiada por formas cada vez mais inventivas e criativas de abuso e de falta de fair play eleitoral, a Justiça Eleitoral do Brasil está plenamente preparada para dar respostas eficazes aos problemas diuturnamente levados ao seu descortino. Foram previamente concebidas normas abstratas primárias e secundárias de prevenção e repressão de condutas atentatórias aos cânones democráticos e, para além disso, no âmbito de sua competência jurisdicional, sua arquitetura político-institucional foi estruturada e reforçada para responder à altura as provocações.

O TSE pretendia coibir as fake news. Mas houve casos de baixarias e até mentiras com conotação sexual envolvendo as candidatas de São Paulo. O que faltou?

Como braço especializado do Poder Judiciário, a Justiça Eleitoral, relativamente à sua competência jurisdicional, não sendo dado a qualquer juiz agir de ofício, depende de provocações específicas para movimentar sua portentosa máquina. E tais provocações, infelizmente, nem sempre vêm à lume na forma e nos prazos mais oportunos e convenientes para a erradicação das múltiplas mazelas não servientes da democracia em sentido substancial. Já em relação à sua competência administrativa, são notáveis os avanços normativos e comportamentais ligados ao tema do poder de polícia, ainda que remanesça viva uma inadiável e séria discussão sobre os limites da liberdade de expressão.

A uma semana das eleições, o aplicativo Pardal, da Justiça Eleitoral, registrou mais de 64,6 mil denúncias de publicidade irregular, principalmente em São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Acredita que haverá penas duras por parte da Justiça Eleitoral?

Bem medido e pesado o acervo decisório das últimas eleições, é crível supor que a Justiça Eleitoral, tomada em sentido amplo, detém capacidade física e mental de dar respostas ágeis e adequadas ao grande volume de processos típicos do período. Em sede de propaganda eleitoral, além de o ordenamento jurídico contar com regras do jogo democrático bem definidas e ajustadas, há estruturas paralelas funcionando a pleno vapor. Os juízes da propaganda têm trabalhado com enorme denodo e obstinação na concretização do direito posto, de modo a assegurar aos candidatos iguais oportunidades de chances, na garantia plena da sinceridade eleitoral.

Que lição essa eleição nos deixa para uma expectativa em relação a 2026?

Há sempre vetores sequiosos de aprimoramentos. Trata-se de um processo contínuo, mas sempre inacabado. Já no dia seguinte ao do encerramento do pleito eleitoral, os olhos experientes dos legisladores e dos julgadores já se voltam para os pleitos futuros. Ajustes podem e devem ser feitos no embelezamento e na operacionalização das festas democráticas. A (inadequada) tutela excessiva da inteligência do eleitor e uma melhor pontuação jurídica da liberdade de expressão, a meu modesto sentir, entremostram-se como assuntos dignos de uma maior reflexão global.

O senhor acredita que o ex-presidente Jair Bolsonaro estará inelegível em 2026 ou ainda há chance de reverter essa pena?

Em relação às duas inelegibilidades hoje existentes, alusivas ao ex-presidente Jair Bolsonaro — reunião com embaixadores e 7 de setembro —, há recursos extraordinários em sentido estrito aparelhados para o Supremo Tribunal Federal, a quem caberá, com método e verticalidade, equacionar a matéria com sabor de definitividade.

Qual a sua avaliação sobre a decisão de o STF suspender a operação do X?

Não me parece adequado tecer juízo de valor sobre processo judicial em curso, sem o conhecimento da inteireza dos relevantes detalhes jurídicos da questão. De toda forma, é forçoso reconhecer que o virtual equacionamento técnico do litígio já teve o condão de despertar um genuíno e sadio debate público de ideias contrapostas. Numa democracia não meramente semântica, a livre circulação de ideias e informações, ainda que ácidas e desconfortáveis, é algo vital para a formação de juízos de valor. Trata-se de uma premissa inegociável, hospedada num debate maior entre os "limites dos limites" da liberdade de expressão e a adequação, em sintonia fina, do direito plasmado na ordem jurídica vigente.

O projeto que tramita no Congresso com alterações às regras de inelegibilidade é uma forma de acabar com a Lei da Ficha Limpa?

Com integral respeito a opiniões divergentes, creio que não. Aprimoramentos legislativos, como produtos de debates sérios e bem-intencionados, podem e devem ser recebidos de braços abertos. A Lei da Ficha Limpa, reconhecidamente um importante marco na imprescindível purificação da cena política do Brasil, foi concebida para a reversão instantânea de um pico de insatisfação social. E leis assim, habitualmente, costumam carrear máculas e pesar na mão. Com o passar de anos de aplicação, foram devidamente mapeados pontos sequiosos de melhoria. E melhorias não significam necessariamente retrocessos. A reforma da Lei de Improbidade Administrativa é um bom exemplo de aprimoramento legislativo virtuoso. A Lei da Ficha Limpa, é uma conquista histórica. E veio para ficar.

 


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