Visão do Direito

Honorários advocatícios: castigo e premiação  

"Nenhuma decisão judicial tem legitimidade para desfazer o direito adquirido pelos advogados brasileiros, pois se a lei não o pode, muito menos o pode uma sentença judicial"

Luis Carlos Alcoforado e Érika Dutra -  (crédito: Divulgação)
Luis Carlos Alcoforado e Érika Dutra - (crédito: Divulgação)

Luis Carlos Alcoforado e Érika Dutra* — Por longos anos, a fixação de honorários advocatícios judiciais, quando devidos pelo Estado, sujeitava-se a uma lógica que, estranhamente, punia o advogado vitorioso.

O formato original do Código de Processo Civil de 1939 continha, em capítulo destinado à disciplina "das custas e multas", a previsão de pagamento de honorários de advogado somente como resposta à atuação temerária de uma das partes, ou em caso de procedência de pedido em ação que resultasse de dolo ou culpa na violação de direito contratual ou extracontratual. Nesse último caso, apenas ao réu poderia ser imputada a despesa.

Uma alteração legislativa ocorrida em 1965 substituiu o segundo caso de incidência dos honorários pela previsão de fixação da verba contra o vencido a favor do vencedor, sem abandonar, contudo, a acepção meramente sancionatória, além de ter estabelecida a moderação como único critério de arbitramento pelo juiz.

Por sua vez, o CPC de 1973 estabeleceu percentuais balizadores para a fixação dos honorários de sucumbência, mas manteve o poder de fixação do valor ao arbítrio do juiz, com critérios sobremodo subjetivos.

Para as causas em que a Fazenda Pública era a parte vencida, o Código Buzaid, desde sua redação originária, conferia ao ente público tratamento privilegiado sob o pretexto de tutelar o interesse público, permitindo-lhe, de modo irrestrito, a fixação equitativa dos honorários em caso de derrota.

O valor do trabalho de um advogado é submetido à avaliação de um juiz que, invariavelmente, nunca advogou ou experimentou os sacrifícios impostos pelo sistema. É difícil julgar o trabalho de um advogado considerando-se dois fundamentos: o tempo exigido para o ofício, o local de prestação dos serviços, a natureza e importância da causa e o esmero profissional.

Com o advento do CPC de 2015, os advogados conquistaram o direito a um critério mais objetivo, embora ainda injusto, para a fixação dos honorários advocatícios judiciais em desfavor do Estado. Isso ocorreu com a instituição de faixas percentuais variáveis, de acordo com o valor da condenação ou do proveito econômico, de forma escalonada e proporcionalmente inversa, conforme o elenco do art. 85, §3º, cuja aplicação segue o cálculo disciplinado pelo §5º do mesmo dispositivo.

Exceções são feitas apenas para causas de valor inestimável ou de irrisório proveito econômico, para as quais o §8º do art. 85 do CPC mantém a fixação por equidade.

Embora a Fazenda Pública continue sendo tratada com deferência em relação ao particular, a nova sistemática constitui um direito conquistado pela via legislativa e, portanto, considerado um direito adquirido da advocacia, reduzindo-se o âmbito da discricionariedade do julgador.

Foi com essa premissa em vista que o Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela uniformização interpretativa da lei federal no Brasil, afastou a possibilidade de inserir no §8º do art. 85 do CPC uma interpretação não desejada pelo legislador, de modo a impedir a apreciação equitativa dos honorários quando o valor da causa for elevado, já que isso não se confunde com "valor inestimável" (Tema 1076).

No Brasil, salvo a resistência do STF, o constituinte quis inserir como cláusula pétrea aquela que estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Nenhuma decisão judicial tem legitimidade para desfazer o direito adquirido pelos advogados brasileiros, pois se a lei não o pode, muito menos o pode uma sentença judicial.

A justa retribuição ao advogado vitorioso dialoga com a dignidade da pessoa humana e com os valores sociais do trabalho, elevados à categoria de fundamentos da República Federativa do Brasil.

A Constituição deve ser aplicada em consonância com a supremacia de seus princípios, todos em defesa da cidadania contra o abuso do Estado por meio de um de seus Poderes.

Todos os outros princípios invocados para reduzir o alcance da norma carecem de força para desrespeitar a soberania popular expressa na forma escolhida pelo legislador no CPC de 2015, que visa imprimir maior objetividade à fixação da verba sucumbencial.

Deve-se pensar mais na pessoa humana do que em entes ficcionais, frutos da imaginação criativa sobre a organização da sociedade, especialmente porque a escolha legislativa preserva, com razoabilidade, o interesse público por meio das regras escalonadas e mais limitadas para a Fazenda Pública em comparação às aplicadas aos particulares.

É fundamental evitar o autoritarismo ou o casuísmo na fixação dos honorários advocatícios judiciais, adotando regras objetivas e parâmetros claros, o que também respeita, diante da disciplina legal vigente, o princípio da separação dos Poderes.

 

*Advogados sócios de Alcoforado Advogados Associados

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postado em 31/10/2024 03:00
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