Após um crime violento que choca a sociedade, a expectativa é de que os responsáveis sejam punidos e respondam pelos danos causados. No entanto, o que acontece quando os autores desses delitos não podem ser responsabilizados? No último dia 13, na cidade de Nova Fátima, no Paraná, um menino de apenas nove anos foi apontado como responsável pela morte de 23 animais em uma fazendinha de um hospital veterinário.
A criança havia participado da inauguração do local e, no dia seguinte, pulou o muro da propriedade e matou os animais que estavam ali. Segundo a Polícia Militar, um dos donos do lugar acionou a equipe após encontrar 20 coelhos e três porquinhos-da-índia mortos.
Ao verificar as câmeras de segurança, ele viu a criança, acompanhada de um cachorro, invadindo o local e cometendo as atrocidades. Os animais foram arremessados contra a parede, mutilados, tiveram patas arrancadas e foram esquartejados. De acordo com a investigação, a criança admitiu ter cometido os maus-tratos, detalhou como matou os animais e confessou que não era a primeira vez que fazia isso.
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O ocorrido provocou indignação em muitas pessoas, mas o menino não sofrerá nenhuma penalidade. Conforme o art. 26 do Código Penal, menores de idade são considerados inimputáveis, ou seja, aqueles que não podem ser responsabilizados criminalmente por seus atos, em razão da ausência de plena compreensão do caráter ilícito da conduta praticada. Nesse caso, o menor também não sofrerá as sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)- Lei nº 8.069/1990 -, pois crianças com menos de 12 anos não possuem discernimento cognitivo suficiente para serem responsabilizadas por atos infracionais equiparados a crimes.
Segundo Bernardo Fenelon, advogado criminalista, sócio da BFA|Bernardo Fenelon Advocacia e presidente da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF, a Justiça brasileira trata os casos de menores inimputáveis com enfoque na proteção e na reeducação, em vez de adotar um caráter punitivo para crianças e adolescentes. "Nessas situações, em que um menor de idade com menos de 12 anos comete um crime, são adotadas medidas de proteção previstas no artigo 101 do ECA, que podem incluir a inserção do menor e de sua família em programas de acompanhamento e orientação, além de possíveis tratamentos psicológicos e psiquiátricos", explica.
O Conselho Tutelar também pode ser acionado para avaliar a situação e verificar se há sinais de negligência, omissão ou qualquer outro tipo de violação dos direitos da criança, e medidas de acompanhamento e apoio poderão ser recomendadas. "O órgão é extremamente importante dentro dessa equação e atuará na salvaguarda da criança envolvida, que passará a receber o devido acompanhamento médico e institucional, visando evitar a reincidência do menor em atos análogos a crimes", afirma Fenelon.
O advogado também explica que, de acordo com o art. 932, inciso I, do Código Civil, os pais podem ser responsabilizados na esfera cível nos casos em que houver omissão na guarda ou ausência de cuidados necessários ao menor. "Nesse caso, se comprovada tal situação, é possível, sim, incidir uma responsabilização judicial por danos materiais e morais pelo prejuízo causado ao hospital veterinário. Inclusive, os pais podem ser acionados sob a determinação de que adotem medidas de cuidado e supervisão para evitar problemas semelhantes no futuro", diz.
Outros casos
Em 17 de maio deste ano, um adolescente de 16 anos cometeu um triplo homicídio em Vila Jaguara, São Paulo, matando os pais adotivos e sua irmã gêmea após uma discussão que resultou na punição de ter o celular confiscado. O jovem matou o pai com um tiro na nuca, a irmã com um disparo no rosto, almoçou ao lado do corpo do pai, foi à academia e esperou a mãe chegar em casa para também matá-la. Dois dias depois, ele ligou para a polícia para confessar os assassinatos, demonstrando frieza e ausência de arrependimento.
Por ter mais de 12 anos, foi encaminhado à Fundação Casa, uma instituição pública do Estado de São Paulo responsável por aplicar as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), prestando atendimento a jovens de 12 a 21 anos incompletos.
Em 2020, uma adolescente de 16 anos matou Isabele Ramos Guimarães com um tiro à queima-roupa em Cuiabá. O crime, inicialmente alegado como acidental, teve a perícia confirmando que o disparo foi intencional e que a cena do crime havia alterada. Condenada a três anos de internação por ato infracional análogo a homicídio doloso, a jovem foi detida no Lar Menina Moça, e, após um ano e cinco meses, a internação foi substituída por liberdade assistida em junho de 2022.
Psicopatologias
A psicóloga Juliana Paim, especialista em adolescentes e terapeuta cognitivo comportamental, ressalta que avaliar esses casos sem conhecer o histórico das crianças ou adolescentes e de suas famílias seria precipitado e antiético. "Diversos fatores podem estar envolvidos, e somente uma investigação cuidadosa poderia identificar possíveis traços de psicopatologias", explica. "No caso do menino que matou os animais, o ocorrido pode não indicar nada específico, mas também pode apontar para distúrbios psicológicos graves, histórico de abusos e violências, ou até mesmo, um episódio psicótico. Somente uma avaliação profissional bem fundamentada pode determinar isso", completa.
Juliana também destaca a necessidade de acompanhamento psicológico regular para a criança e a família, realizado por profissionais especializados, além da atenção do Estado, por meio do Conselho Tutelar. "É importante ficar atento a outros sinais de comportamentos que desviam da norma e oferecer tratamento psicológico à criança, para que ela possa compreender a gravidade do ato cometido e desenvolver novas estratégias para lidar com emoções desconfortáveis, sem prejudicar a si mesma ou aos outros", afirma.
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