Por Lucas Menezes* — A garantia real de habitação, prevista no artigo 1.831 do Código Civil, assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de continuar residindo no imóvel que servia de moradia para a família, sem a necessidade de pagar aluguéis aos outros herdeiros e sem que o imóvel seja vendido para partilha, desde que seja o único bem residencial deixado pelo falecido. A legislação não impõe um limite temporal para o exercício desse direito, que pode ser mantido até a morte do beneficiário. Entretanto, a Lei 9.278/96 especifica que esse direito cessa caso o sobrevivente constitua novo casamento ou união estável.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma decisão excepcional no Recurso Especial nº 2151939, inaugurou um novo entendimento sobre o tema. A norma tem como objetivo garantir a proteção constitucional à moradia, além de preservar os laços afetivos construídos no ambiente familiar. No entanto, o STJ afirmou que esse direito, embora seja a regra, não é absoluto, podendo ser relativizado em circunstâncias excepcionais, principalmente quando sua manutenção acarreta prejuízos desproporcionais aos herdeiros ou quando a situação pessoal do cônjuge sobrevivente não justifica mais a proteção prevista na lei.
No caso analisado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) havia mantido o direito real de habitação em favor da viúva, embora ela fosse titular de uma pensão vitalícia em valores significativos, o que lhe garantia uma subsistência confortável e uma moradia digna fora do imóvel. Ao mesmo tempo, os herdeiros, nu-proprietários do imóvel, não receberam outros bens e residiam em imóveis alugados. Nessas condições, o STJ entendeu que o direito real de habitação, embora importante, não é absoluto e pode ser relativizado em situações específicas. Assim, o STJ afastou o direito real de habitação da viúva, favorecendo os herdeiros, que estavam privados de usufruir do patrimônio familiar.
O precedente é relevante, inaugurando um novo posicionamento sobre a matéria. No entanto, a decisão deve ser interpretada com cautela, pois não se trata de uma regra geral, mas de uma exceção aplicada em um contexto específico. A Ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, enfatizou em seu voto que o direito real de habitação permanece como regra, podendo ser mitigado apenas quando, cumulativamente, forem comprovados: (a) prejuízos insustentáveis aos herdeiros e (b) que a condição financeira e pessoal do cônjuge sobrevivente não mais justifica a proteção patrimonial.
A decisão reforça a necessidade de uma análise cuidadosa e criteriosa de cada caso concreto, equilibrando o direito à moradia e à dignidade do cônjuge sobrevivente com os direitos dos herdeiros, de acordo com as circunstâncias específicas de cada família.
*Advogado especialista em direito civil e sócio do Pessoa & Pessoa Advogados, responsável pela Área de Família e Sucessões
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