Entrevista

Claudio Lottenberg fala sobre guerra, conflitos e antissemitismo

Em entrevista ao Correio, o presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), afirma que, apesar do crescimento do preconceito aos judeus, os brasileiros ainda são acolhedores com a comunidade judaica

Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) -  (crédito: Divulgação)
Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) - (crédito: Divulgação)

A semana marca uma data que, para os judeus, pode ser comparada ao Holocausto: um ano dos ataques do Hamas a Israel, um massacre que levou ao assassinato de 1,4 mil pessoas e ao sequestro de outras 250. Autoridades, personalidades e especialistas abordaram em 8 de outubro, na Câmara dos Deputados, temas relacionados ao combate ao antissemitismo e à luta contra o terrorismo. O evento foi também uma homenagem pública às vítimas do atentado, em meio à escalada do conflito no Oriente Médio com o bombardeio de Israel ao Líbano e ao Irã e à morte de mais de 40 mil palestinos.

Depois do atentado de 7 de outubro de 2023, foi registrado um aumento significativo nos casos de antissemitismo globalmente. De acordo com o Relatório Anual de Antissemitismo 2024, o número de incidentes envolvendo violência e discriminação contra a comunidade judaica aumentou cerca de 30% em comparação ao ano anterior. No Brasil, entre outubro e dezembro de 2023, o número de denúncias cresceu em quase 800% em comparação com o mesmo período, segundo a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e da Federação Israelita do Estado de São Paulo.

Em entrevista ao Correio, Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), afirma que, apesar do crescimento do preconceito aos judeus, os brasileiros ainda são acolhedores com a comunidade judaica. "O antissemitismo aqui é muito menor do que o vivenciado em outras partes do mundo, algo que diz muito sobre a boa índole do nosso povo", afirma.

Um ano após o ataque do Hamas a Israel, os judeus ficaram mais seguros ou em risco diante de tantos inimigos?

O ataque bárbaro promovido pelo Hamas há um ano foi só o começo de uma campanha orquestrada pelo Irã de atacar Israel em várias frentes, usando os outros grupos jihadistas que a teocracia iraniana arma e financia na região, como o Hezbollah no Líbano, os Huthis no Iêmen, as milícias no Iraque e na Síria. Outra parte importante da estratégia iraniana é mobilizar ativistas e a opinião pública global contra Israel e contra quem apoia Israel. Isso levou um aumento explosivo dos ataques e ameaças contra judeus pelo mundo, inclusive no Brasil. Creio que ao final dessa trágica guerra, Israel estará mais seguro, mas a um custo altíssimo e lamentável para todos na região. Os judeus, por causa de nossa história, temos muita resiliência e estamos unidos diante dessa nova realidade.

A negociação seria uma forma mais eficiente para libertar judeus sequestrados?

Está havendo negociação para a libertação dos israelenses sequestrados, mas é muito difícil negociar com um grupo extremista que venera a morte e deliberadamente usa seu povo como escudo humano. O Hamas é o grande empecilho para um acordo para a libertação dos reféns.

As Forças Armadas de Israel divulgaram um balanço com números sobre o último ano. Segundo elas, foram 40 mil ataques a posições do grupo terrorista palestino na Faixa de Gaza. Foram localizadas 4.700 entradas da rede de túneis do Hamas, e mil lançadores de foguetes foram destruídos. Esse grupo terrorista está neutralizado?

O Hamas tem como estratégia usar os palestinos como escudos humanos e se esconder atrás deles, mesmo que isso cause morte e destruição. Pelo que temos visto, o número de ataques do Hamas contra Israel diminuiu muito, e o grupo terrorista já não tem capacidade de atuar como um exército, com brigadas e organização militar. O Hamas militarmente foi derrotado, mas ainda tem força para aterrorizar os palestinos. Gaza estará muito melhor quando se livrar do domínio do Hamas.

A história mostra muitos episódios de perseguição a judeus. A guerra contra o Hamas e o Hezbollah, com ataques a Gaza e ao Líbano, alimenta o ódio a Israel?

Sim. Uma parte importante da estratégia do Irã é a vilificação de Israel no mundo por meio de falsas narrativas. Mas estamos vendo também muito apoio a Israel e aos judeus em várias partes do mundo e no Brasil. Muita gente percebe como são falsas as narrativas que o Irã, o Hamas e seus aliados tentam propagar sobre o conflito atual. Havia um cessar-fogo em Gaza e no Líbano até o Hamas e o Hezbollah provocarem esta guerra, sob o comando do Irã. Israel está se defendendo. Muitas pessoas compreendem isso, apesar das falsas narrativas.

Até onde vão esses ataques?

O Irã e os grupos extremistas que Teerã financia querem destruir Israel e os judeus. Eles dizem isso há décadas, abertamente, em suas cartas de fundação, em seus pronunciamentos públicos, na televisão e nas suas redes. É a principal causa deles. Esses ataques estão submetidos a essa visão agressiva e totalitária, por isso não têm limites.

Como avalia a posição do presidente Lula em relação a Israel? Ele classificou como "inexplicável" o fato de o Conselho de Segurança das Nações Unidas não ter "autoridade" para fazer com que Israel se sente à mesa para conversar e prefira bombardear o Líbano.

O governo Lula abandonou a nossa tradição diplomática de equilíbrio e moderação e laços históricos profundos com Israel. Ele se aproximou da teocracia iraniana, que é a responsável pela atual guerra e em nada se alinha aos valores que o governo diz defender, como a defesa dos direitos humanos e a democracia. Israel tem todo o interesse de negociar a paz com o governo libanês, mas o governo libanês, infelizmente, não tem poder sobre o Hezbollah, que é controlado pelo Irã. O Hezbollah passou a bombardear Israel no dia seguinte ao ataque do Hamas para ajudar o grupo terrorista palestino. Dezenas de milhares de israelenses tiveram de deixar o norte de Israel por causa desses ataques. Israel passou 11 meses alertando o Líbano e o mundo que essa situação era intolerável e reagiria se esses ataques continuassem.

Lula chegou a comparar a morte de palestinos por Israel ao genocídio de judeus pelo regime nazista de Adolph Hitler. Como avalia essa declaração?

Muitos brasileiros e muitos países condenaram essa comparação absurda e ofensiva. Ela mostra um desconhecimento absoluto da realidade, uma distorção totalmente enviesada da situação. Muito triste ver o nosso presidente falar uma coisa dessas.

Há antissemitismo no Brasil?

Sim, e ele cresceu desde o começo desta guerra. Mas é importante ressaltar que o Brasil é um país muito acolhedor aos judeus, e temos o apoio e a simpatia da imensa maioria dos brasileiros. Nossos antepassados chegaram ao Brasil há séculos e desde então nós nos integramos totalmente ao tecido social e produtivo brasileiro. O antissemitismo aqui é muito menor do que o vivenciado em outras partes do mundo, algo que diz muito sobre a boa índole do nosso povo.

Qual é o sentimento do povo judeu um ano após o massacre de 7 de outubro?

Muita tristeza, obviamente. O massacre do Hamas foi bárbaro. O pior ataque contra judeus desde o Holocausto. A tristeza aumentou ao vermos setores minoritários da sociedade reagirem com ódio a Israel, mesmo Israel tendo sido vítima desse ataque. Mas, como disse, vemos também o apoio e a simpatia da maioria das pessoas e lideranças, o que nos dá esperança e força para enfrentarmos este momento tão duro.

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 10/10/2024 05:01
x