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Caso Deolane: nada justifica a imposição de medidas judiciais esdrúxulas

Qualquer medida que restrinja a liberdade individual deve ser, acima de tudo, racional e lógica. Não parece ser o caso aqui

Por André Damiani* e Vinícius Fochi**— A advogada e influenciadora Deolane Bezerra está sendo investigada por suposta participação em uma organização criminosa destinada à exploração de jogos ilegais e lavagem de dinheiro. Na deflagração da operação, ela permaneceu presa preventivamente por alguns dias em uma Colônia Penal de Pernambuco.

Um habeas corpus impetrado no Tribunal de Justiça daquele estado converteu a prisão preventiva em domiciliar, destacando que a influenciadora é "primária, possui bons antecedentes" e que "seu trabalho é o sustento de sua família, bem como é mãe de uma criança de oito anos de idade".

Embora a decisão tenha sido favorável, a Justiça pernambucana impôs medidas cautelares diversas, como o monitoramento eletrônico e a proibição de que a advogada se manifeste em redes sociais, imprensa e outros meios. Entretanto, é justamente esse o trabalho que lhe permite sustentar sua família.

Dito e feito. Quando saiu do estabelecimento prisional, a influenciadora desabafou em suas redes sociais e acusou o Tribunal local de censura. Como represália, quase que instantaneamente, sua prisão preventiva foi decretada novamente, com base em um novo fundamento. Seria isso censura ou consequência lógica de uma ordem judicial necessária? Quem está com a razão?

Qualquer medida que restrinja a liberdade individual deve ser, acima de tudo, racional e lógica. Não parece ser o caso aqui. O Código de Processo Penal estabelece que a prisão cautelar só pode ser decretada para garantir a "aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais".

Por isso, o fato de a investigada se queixar de injustiça ou abuso não guarda correlação lógica com a aplicação da lei penal ou com a garantia da futura instrução processual.

Para deixar claro: os crimes investigados não estão intrinsecamente relacionados com as publicações midiáticas da influenciadora, como estariam no caso de julgamento de um possível crime de ódio praticado por meio de redes sociais. Nesse caso, sim, haveria uma correlação entre o uso indevido da plataforma e a continuidade delitiva.

Ao que tudo indica, o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco pecou por vaidade ao tentar coibir a simples manifestação da advogada sobre sua própria situação jurídica. Pior ainda, ao analisar o tema em um novo habeas corpus impetrado após a segunda prisão, invocou-se o argumento pouco convincente de que a influenciadora teria tentado "mobilizar milhões de pessoas contra uma investigação policial em curso".

Ora, desde quando o Poder Judiciário é refém da opinião pública? Ao juiz cabe o dever de aplicar a lei ao caso concreto; nada mais. Nesse sentido, parece haver um grave equívoco por parte do Juízo, pois eventuais manifestações de Deolane em suas redes sociais jamais colocariam em risco qualquer investigação. Tampouco, até o momento, consistem em reiteração criminosa. Ela apenas opinou e exerceu seu direito à autodefesa.

O Processo Penal não é um campo de batalha sem regras. Ele é, de fato, um instrumento imprescindível para assegurar direitos e garantir a correta aplicação da lei.

A identidade do cidadão submetido a julgamento não pode justificar a imposição de medidas esdrúxulas, sob pena de julgarmos a reputação das pessoas em vez dos fatos que são considerados criminosos.

*André Damiani, sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, é especialista em Direito Penal Econômico
**Vinícius Fochi é advogado criminalista no mesmo escritório e pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

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