Ex-juiz, vice-presidente e presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o jurista Roberto Caldas assume agora uma importante missão. O advogado, que vive em Brasília, foi escolhido para coordenar o Observatório Internacional de Direitos Humanos para o caso Jorge Glas. O ex-vice-presidente do Equador está preso em uma prisão em Quito para onde foi levado depois de uma invasão na Embaixada do México onde o político estava exilado. Para analistas internacionais, Glas é vítima de uma grande injustiça e de um processo que vem sendo conduzido com lawfare, sem respeito ao devido processo legal.
O senhor foi escolhido como coordenador do Observatório Internacional de Direitos Humanos para o caso Jorge Glas. Como será sua atuação?
Em primeiro lugar, esta é uma missão humanitária extremamente importante, complexa e urgente. Injustiças em série têm sido cometidas contra o ex-vice presidente equatoriano. Em segundo lugar, foi uma honrosa surpresa ser convidado para coordenar um grupo de observadores internacionais tão qualificado. É gratificante trabalhar com um dos maiores intelectuais e penalistas do mundo, Raúl Zaffaroni, com o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, o notável juiz Baltasar Garzón, além de juristas, acadêmicos e defensores de Direitos Humanos de primeira linha como Gina Donoso, Carol Proner, Silvina Romano, Walter Antillón, Lina Mejía, Fernando Dantas, Mirian Gonçalves, Antonio C. Wolkmer, Gisele Cittadino, José Henrique de Faria, Ana María Careaga, Willis S. Guerra, Vanessa Ramos, Larissa Ramina, Vitor Freitas e Pauline Ogier.
O ex-vice-presidente do Equador Jorge Glas foi acusado e condenado por corrupção. Acredita que ele seja inocente?
À toda evidência Jorge Glas é inocente. E é vítima de um cruel sistema de perseguição política poucas vezes visto, mesmo nos mais duros anos de ditadura que o continente já vivenciou. A perseguição é revestida de tentativa de institucionalidade, porque se usam processos judiciais, a famosa lawfare. Já são mais de 30 investigações abertas, sem provas ou indícios razoáveis. Decisões de soltura não foram cumpridas. Ordens da Comissão Interamericana também. Vários juristas internacionais já examinaram os processos e o resultado é sempre o mesmo: solene desrespeito aos mais básicos direitos humanos e de defesa. Juízes suspeitos ou temporários julgam com atrelamento ao Executivo. O Relator da ONU para Independência de Magistrados e Advogados enviou cinco chamamentos urgentes por quebra de imparcialidade no Equador. A Interpol parou de aceitar alertas vermelhos de procura de supostos criminosos por entender haver perseguição política e não processo judicial objetivo. Quando falta imparcialidade, impessoalidade e objetividade em processo judicial, ele é nulo de pleno direito.
A Polícia de Quito invadiu a Embaixada do México e levou Glas para a prisão, a ponto de o México suspender as relações diplomáticas com o Equador. Como acreditar que forças internacionais poderão ajudá-lo?
A invasão de uma embaixada pelo país anfitrião é algo gravíssimo. Considera-se uma violação do próprio território internacional, algo sem precedentes no continente americano. Não só o México cortou relações diplomáticas. O ilícito internacional foi repudiado pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, e por muitos países, entre eles o Brasil. Toda pessoa tem direito a busca de asilo diplomático em outro país se sentir-se ameaçado de perseguição no seu. Foi o que ocorreu e o asilo já havia sido concedido um dia antes. Violou-se a um só tempo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) e a Convenção sobre Asilo Diplomático (Caracas, 1954). Do ponto de vista do Direito Internacional, Jorge Glas é uma espécie de refém do Estado equatoriano, que está em débito de legalidade, constitucionalidade e convencionalidade.
Ele já tentou o suicídio uma vez. Acha que ele corre risco real de morte?
É verdade, ele já tentou suicídio uma vez ao ingerir mais de 60 comprimidos, tudo sob custódia do Estado, o que denota uma falta de segurança dentro do próprio presídio. Ele também fez greve de fome por 58 dias. Sua saúde física e mental deteriorou-se muito. Ele deveria estar em um hospital penitenciário, mas, ao invés disso, está em uma prisão de segurança máxima, onde se aplicam restrições enormes, como visitas apenas uma vez ao mês por um único parente, banho de sol apenas por 20 minutos diários. Ele já sofreu mais de 70 ameaças na prisão. Tem indícios claros de tortura, mordidas de ratos, tem a saúde mental precária por depressão maior com sintomas psicóticos agregada a transtorno de estresse pós-traumático. Por outro lado, o contexto de numerosos suicídios nas prisões equatorianas é grave. Há menos de 15 dias o seu vizinho de cela suicidou-se.
O Estado tem responsabilidade por essas mortes. É emblemático que neste setembro amarelo, em que o mundo se une para combater o suicídio, tenha-se que clamar pela sua soltura, ou ao menos a transferência do presídio, e pela vida de Jorge Glass.
Acredita que o Brasil tem avançado na defesa dos direitos humanos?
O Brasil tem avançado em algumas áreas e tido alguns retrocessos surpreendentes. Avança com a institucionalidade, a aproximação crescente do Judiciário com a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Supremo Tribunal e o CNJ têm trabalhado no monitoramento do cumprimento das sentenças da Corte, a participação da AGU têm progredido. Porém, a prática cotidiana tem seus sérios problemas, como a violência no campo e na cidade, contra as mulheres, os povos originários, precarização do trabalho e da saúde, agravamento da saúde mental, a ponto de colocar o Brasil na terceira pior posição do mundo. Segundo dados da OMS, o nosso país é o primeiro colocado em ansiedade e em burnout, o quarto em depressão e o oitavo em suicídio. É uma situação agudamente preocupante.
Como as questões envolvendo extremos climáticos têm sido tratadas sob a ótica dos direitos humanos?
Esta é outra questão extremamente importante e urgente. A mudança climática impacta a vida e a saúde em vários níveis, especialmente para aqueles que vivem na área rural e na floresta, como os povos originários. Com os incêndios decorrentes das secas pela mudança climática ou das flagrantes ações criminosas orquestradas, são crimes graves que podem vir a ser classificados como de lesa-humanidade, como um genocídio e ecocídio. As populações indígenas fenecem quando são expulsas de suas terras ancestrais onde vivem, com seus projetos e modos de vida que devem ser respeitados. Não são meros crimes de causar incêndio, ante a magnitude e coordenação alcançada em todo o País a um só tempo. Classificados como de lesa-humanidade, os criminosos de agora podem ser levados às barras do Tribunal Penal Internacional a qualquer tempo, pois são crimes imprescritíveis. Há de se entender que os incêndios nas florestas não afetam apenas as plantas, os animais, as pessoas que ali habitam e no seu entorno. Afetam muito além, afetam todo o planeta e as vidas nele de uma forma ou outra.
Avalia que o planeta começa a reconhecer que algo precisa ser feito para evitar mais catástrofes como as que temos visto e vivido?
Infelizmente, parte dominante da humanidade é imediatista, gananciosa, foca apenas no próprio benefício e na exploração do meio-ambiente e dos outros seres humanos. No entanto, uma parcela significativa da população do planeta está se conscientizando, alarmada com a situação, e se empenha em ações preventivas e restauradoras. Contudo, é urgente promover um planeta que verdadeiramente respeite a natureza e proporcione bem-estar e harmonia.
Como as questões envolvendo extremos climáticos têm sido tratadas sob a ótica dos direitos humanos?
Infelizmente, parte dominante da humanidade é imediatista, gananciosa, foca apenas no próprio benefício e na exploração do meio-ambiente e dos outros seres humanos. No entanto, uma parcela significativa da população do planeta está se conscientizando, alarmada com a situação, e se empenha em ações preventivas e restauradoras. Contudo, é urgente promover um planeta que verdadeiramente respeite a natureza e proporcione bem-estar e harmonia.
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