Análise

Visão do direito: O uso da Selic e o consignado

'As constantes diminuições das taxas de juros geram insegurança ao mercado e inviabilizam a oferta ao crédito, especialmente para as instituições financeiras de pequeno e médio porte"

Por Monica Lopes de Mendonça e Vitor Carvalho Lopes* — O uso da taxa Selic como parâmetro para reduzir as taxas de juros do consignado para aposentados e pensionistas é vista com preocupação, pois o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) não tem levado em conta qualquer critério técnico nem a estrutura dos custos das instituições financeiras para fazer a alteração, o que pode trazer diversos prejuízos à regulação do mercado com reflexos, consequentemente, na sociedade.

Desde 2023, o CNPS aprovou oito reduções no teto da taxa de juros do consignado. A última ocorreu em maio de 2024, pouco mais de um mês da diminuição anterior ter sido feita. Nos empréstimos com desconto em folha, a taxa de juros mensais passou de 1,68% para 1,66%, enquanto para o cartão de crédito consignado e o cartão consignado de benefício, o limite foi de 2,49% para 2,46% ao mês. Os novos percentuais já estão em vigor.

A proposta partiu do Ministério da Previdência Social, sob a justificativa de redução de 0,25% na taxa Selic, promovida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom). Na visão do governo, o teto do consignado deve ser alterado proporcionalmente à redução da Selic. Traçando um histórico, de dezembro/2021 até maio/2024 houve uma redução significativa de 0,48% na taxa de juros do empréstimo consignado.

As constantes diminuições das taxas de juros geram insegurança ao mercado e inviabilizam a oferta ao crédito, especialmente para as instituições financeiras de pequeno e médio porte, por não conseguirem suportar a estrutura de custos dos produtos, acarretando, consequentemente, redução ou até na suspensão da comercialização. O reflexo imediato recai sobre os aposentados e pensionistas do INSS, que terão que procurar linhas de crédito com custos bem mais altos.

Não há sentido no uso da taxa Selic como gatilho para redução da taxa de juros nas operações de crédito consignado entre as instituições financeiras e os beneficiários do INSS. Isso porque ela é evidentemente inadequada enquanto parâmetro do custo do funding dos agentes econômicos que operam nesse mercado, tampouco o único, como dá a entender a reiterada metodologia adotada pelo CNPS para a frequente tomada de decisão de redução dos juros. Assim se afirma porque, ao se estruturar uma operação de captação de recursos pelas instituições financeiras para a realização de operações de consignado, é preciso avaliar o comportamento da taxa de juros futuros do país por um período de, ao menos, dois anos. Em todas as projeções que se tem notícia, a taxa de juros futuro se encontra precificada a um valor maior do que as praticadas atualmente.

Somam-se a isso o prêmio de risco de captação a variar, segundo as características de cada agente econômico, análises de crédito e performance, e outros custos fixos que compõem a estrutura de despesas dessa operação e que somente aumentam, tais como, aluguel, luz, água, e especialmente gastos com os correspondentes bancários, tão necessários a essa indústria para garantir capilaridade a esse produto em todo o país.

Relevante constatar que o CNPS, ao ignorar essa realidade técnica e reduzir drasticamente a taxa de juros do consignado no último um ano e meio, deixa de observar que não é preciso um teto baixo de juros para que se pratique taxas menores. A regulação é feita pelo próprio mercado. Em outros termos: a taxa média acaba ocorrendo pela própria competição entre as instituições financeiras, gerando uma autorregulação. O teto nessa ocasião deveria servir para coibir abusos de instituições financeiras e não para alijar agentes econômicos — e por via de consequência oferta de operações de crédito sob essa modalidade — prejudicando os consumidores.

A forma como a redução da taxa de juros está sendo feita pelo CNPS, sem incluir outras instâncias regulatórias, como o Ministério da Fazenda e o Banco Central, leva a crer que esse processo decisório, mais uma vez, não observa os riscos regulatórios a ele inerentes, gerando um deficit de qualidade dessa regulação e efeitos deletérios para a sociedade como um todo, especialmente para os aposentados e pensionistas do INSS, parte mais vulnerável que a política regulatória deveria justamente defender.

Entre os resultados indesejados, teremos: redução da oferta do crédito consignado; prejuízo para a parte mais vulnerável da população, uma vez que aposentados e pensionistas terão que migrar para linhas de crédito mais caras, demonstrando ineficiência da política pública; eliminação dos correspondentes bancários, por ausência de incentivos a esse agente econômico e a consequente perda de postos de trabalho e queda de arrecadação; perda da capacidade de operação dessa linha de crédito por bancos de pequeno e médio porte, impossibilitando que o serviço seja oferecido em todo o território nacional; concentração bancária na oferta do crédito consignado e consequente redução da concorrência; e ampliação do custo regulatório, em razão da composição das despesas assumidas pelos empresários para colocar o produto em circulação no mercado.

A quantificação dos custos e benefícios parece realmente não fazer sentido. Logo, conclui-se que o CNPS, ao aplicar a redução dos juros única e exclusivamente com base na taxa Selic, e deixar de realizar uma adequada análise de custo-benefício, estudos de viabilidade técnicas e de impactos causados ao setor financeiro, prejudica não só todos os agentes econômicos como a parte mais vulnerável que ela visava defender e proteger.

*Monica e Vitor são sócios do Villemor Amaral advogados

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