Por Erik Navarro* — A recente decisão judicial que suspendeu as contas de Pablo Marçal nas redes sociais, em resposta à ação movida pelo partido de Tabata Amaral, traz à tona uma questão central: como equilibrar a proteção do processo eleitoral com as novas dinâmicas de comunicação digital, sem comprometer os valores democráticos? A medida judicial, que pode parecer paradoxal, revela a colisão entre um direito tradicional e a modernidade da comunicação digital, exigindo uma reflexão mais profunda.
O alvoroço gerado pela imprensa e por críticos fora da bolha de Marçal frequentemente oculta um preconceito enraizado: a desconfiança em relação àqueles que, como ele, destacam-se e prosperam fora das estruturas empresariais e financeiras convencionais. Para muitos, o sucesso de Pablo Marçal é um fenômeno intrigante, mas, para quem compreende as engrenagens do marketing digital, suas estratégias são familiares. Marçal, nesse contexto, não é apenas um comunicador, mas um verdadeiro estrategista da comunicação contemporânea, adaptado aos tempos atuais.
Sob a ótica jurídica, a ação proposta pelo partido de Tabata Amaral encontra fundamento. A suspensão das redes de Marçal, respaldada pelo artigo 300 do Código de Processo Civil, visa prevenir o uso indevido de recursos na campanha eleitoral, que, obviamente, precisam ser declarados e terem origem lícita. Marçal, ao remunerar um exército digital para disseminar seu conteúdo, reproduz no ambiente virtual o que tradicionalmente se fazia no físico: a promoção massiva de um candidato. No entanto, ao supostamente não declarar esses recursos, ele teria infringido as normas eleitorais, "justificando" a medida cautelar.
Contudo, essa decisão judicial levanta questionamentos importantes sobre a aplicação do direito em um contexto digital. O artigo 300 do CPC, que autoriza a tutela de urgência em situações de risco e plausibilidade do direito, também impede a concessão dessa tutela quando ela pode causar dano irreversível ao requerido. A suspensão imediata das contas de Marçal, sem um prévio contraditório, exemplifica o risco de danos irreparáveis, principalmente ao balanço democrático do processo eleitoral e aos direitos do candidato.
Uma abordagem mais equilibrada teria sido a adoção analógica da Lei 8.437/1992, que prevê a possibilidade de antecipação do contraditório, permitindo que Marçal apresentasse sua defesa em 72 horas antes da aplicação de qualquer sanção. Esse procedimento garantiria a devida proteção ao contraditório e, ao mesmo tempo, resguardaria a integridade do processo eleitoral.
Estrategicamente, a decisão judicial que buscava limitar o alcance de Marçal pode ter tido o efeito oposto. Seguindo a trilha de figuras controversas, como Andrew Tate, Marçal soube capitalizar a adversidade, transformando a suspensão de suas redes em um movimento de marketing ainda mais poderoso. Em questão de horas, seu novo perfil no Instagram angariou milhões de seguidores, demonstrando a antifragilidade de sua presença digital, um conceito popularizado por Nassim Taleb. Ao invés de sucumbir, a estrutura digital de Marçal se fortaleceu, evidenciando a resiliência do fenômeno digital frente às ações legais. Mais do que isso, agora, o algoritmo do instagram prestigiará Pablo, pois é isso que acontece com contas novas, com muitos seguidores. O impacto de uma conta nova, com mais de dois milhões de seguidores, é muitas vezes superior, ao de uma conta antiga com 12 milhões, por incrível que pareça.
No entanto, a longo prazo, o embate jurídico pode ainda trazer consequências significativas para Marçal. Se for comprovado o abuso de poder econômico, ele pode ter sua candidatura impugnada, o que encerraria sua trajetória eleitoral, independentemente do apoio popular nas redes sociais.
Esse cenário, contudo, não é novo no Brasil. A resistência às figuras que emergem fora das estruturas tradicionais da política é histórica. Silvio Santos, por exemplo, enfrentou um preconceito semelhante ao se lançar na política, e suas iniciativas eleitorais foram igualmente cassadas. Embora a comunicação digital tenha modernizado o marketing político, o cenário eleitoral brasileiro parece continuar arraigado em velhos paradigmas.
Assim, enquanto o marketing digital e as novas formas de comunicação avançam como uma força disruptiva na política contemporânea, o sistema jurídico-eleitoral ainda luta para adaptar-se às suas complexidades. O caso de Pablo Marçal ilustra a necessidade urgente de modernizar as leis e práticas jurídicas, de modo a proteger o processo democrático sem sufocar a inovação e a liberdade de expressão. Esse é o desafio do nosso tempo: encontrar o equilíbrio entre a proteção da democracia e a aceitação das mudanças inevitáveis trazidas pela era digital.
*Ex-juiz federal, doutor em direito e empresário