Este ano, o juizado de paz completa 200 anos de vigência no Brasil. A modalidade, que desempenha um papel essencial dentro do sistema judiciário, possui raízes históricas que remontam ao período colonial. Originalmente, o juiz de paz foi instituído pela Constituição de 1824 como uma figura local destinada a promover a resolução de conflitos de maneira rápida e acessível, especialmente em áreas rurais e afastadas dos grandes centros. Essa função buscava oferecer uma alternativa informal e eficiente à justiça estatal, promovendo a pacificação de pequenos litígios e a celebração de casamentos civis.
Ao longo desses dois séculos, a magistratura de paz passou por várias transformações, refletindo as mudanças no cenário jurídico e social do país. A Constituição de 1988 trouxe novas diretrizes, reafirmando a relevância dessa magistratura no contexto contemporâneo. Embora não tenham jurisdição sobre questões criminais ou cíveis complexas, os juízes de paz mantêm uma função importante nas esferas de conciliação, mediação e na celebração de casamentos civis.
Atualmente, o principal dever da justiça de paz no país é o acompanhamento do processo de habilitação do casamento civil em um cartório de registro civil. O profissional é responsável por conduzir a cerimônia, que é uma exigência legal para que a união tenha validade. "A função é indelegável, pois, além de ser um contrato, envolve questões sociais, emocionais e legais reconhecidas pelo Estado. Não é possível outra autoridade, por maior qualificação que detenha, substituí-lo", afirma Rudyard Rios, que atua na magistratura de paz há três anos.
O casamento civil, realizado pelo juiz de paz, gera direitos e deveres como o direito à herança, pensão alimentícia e responsabilidade pelo sustento da família. Dentro dessa atribuição, o juiz de paz é responsável por atestar a manifestação da vontade dos nubentes, coletar suas assinaturas e as das testemunhas, e verificar se o processo de habilitação seguiu os requisitos legais, incluindo a documentação exigida (certidões de nascimento, identidade e, se aplicável, dissolução de casamentos anteriores). Em caso de menores, ele também verifica a autorização dos pais, conforme o Código Civil.
Segundo Rudyard, em alguns estados do país o juiz de paz ainda ajuda na condução de resolução de pequenos conflitos, uma função que, com o advento da Lei 9.099/95, foi assumida pelos juízes de direito togados. "Em resumo, os juízes de paz em cartórios se concentram principalmente na celebração de casamentos, formalização de uniões e também participam de eventos comunitários e ações sociais, promovendo a cidadania. Já os que atuam nos tribunais têm um papel mais amplo, incluindo mediação de conflitos e decisões em causas maiores e de maior complexidade. Ambos desempenham um papel importante na promoção da justiça e na resolução de questões sociais e familiares", explica.
Exigências
Para se tornar juiz de paz no Brasil, é necessário atender a uma série de exigências estabelecidas pela legislação estadual, já que as normas específicas para o cargo variam de acordo com cada estado. Entre os requisitos básicos estão a cidadania brasileira, estar em pleno gozo dos direitos políticos, não ser filiado a nenhum partido político, não possuir antecedentes criminais e ter idade mínima de 21 anos. Também é necessário o bacharelado em Direito reconhecido pelo MEC, uma vez que os profissionais lidam com detalhes técnicos.
"Em Brasília, a Corregedoria do TJDFT organiza os processos seletivos. Esse processo envolve a análise curricular, entrevista e, posteriormente, a nomeação pelo Presidente do TJDFT. O cargo é vitalício, e o juiz de paz pode trocar de cartório, se assim desejar, desde que haja vaga para transferência", detalha Rudyard.
De acordo com Rudyard, a principal dificuldade da magistratura de paz no Brasil é a falta de uniformidade, tanto na estrutura do quadro de juízes quanto nas questões remuneratórias. "Cada Tribunal Estadual, por meio de suas Corregedorias, adota procedimentos distintos para conduzir os processos. Vale destacar que, em alguns estados, os juízes de paz prestam seus serviços de forma não remunerada, e a sistemática prevista na Constituição, que exige a eleição desses juízes, não é efetivamente praticada. Esse cenário representa um grande desafio que tem sido amplamente discutido no meio jurídico, com a expectativa de que se encontre uma solução nos próximos anos", lamenta o juiz de paz.
PEC 366/2005
Juízes de paz acreditam que reformas na categoria poderiam torná-la mais eficiente. Os profissionais defendem a aprovação da PEC 366/2005, que pretende trazer avanços significativos na prestação de serviços à sociedade. O objetivo dessa PEC é regulamentar o art. 98, inciso II, da Constituição Federal, que prevê a criação da Justiça de Paz, composta por juízes de paz eleitos pela comunidade, com mandatos temporários.
A categoria tem solicitado que os magistrados de paz ingressem na função por meio de concurso público, em vez de eleição, como ocorre, por exemplo, com os conselheiros tutelares estaduais. Essa proposta, amplamente debatida, está em consonância com o art. 37, inciso I, da Constituição, que exige o ingresso no serviço público por concurso, sendo um método mais transparente e menos oneroso. Além disso, permite a seleção de pessoas mais qualificadas e preparadas para o exercício das funções de juiz de paz.
Se aprovada, a PEC proporcionará ao Brasil uma justiça de paz mais eficiente, possibilitando a adoção de procedimentos uniformes em todo o país no que se refere ao recrutamento, seleção e treinamento dos juízes de paz. Embora a instituição da justiça de paz exista desde o Primeiro Império e desempenhe um papel importante na sociedade brasileira, ela sempre atuou de forma subsidiária ao Judiciário tradicional.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br