Conselheira do Conselho Nacional de Justiça, a juíza federal Daniela Madeira conta como FestLabs e novas tecnologias estão transformando a Justiça no Brasil. Confira entrevista
Qual o objetivo do FestLabs? Qual papel o evento tem em transformar o cenário do Poder Judiciário?
O FestLabs tem como objetivo principal reunir os laboratórios de inovação do Poder Judiciário de todo o Brasil, criando um ambiente propício para a troca de boas práticas, experiências e o desenvolvimento de soluções inovadoras. O evento desempenha um papel transformador ao integrar as melhores ideias e tecnologias aplicadas nos tribunais, fortalecendo a capacidade do sistema de se modernizar, tornando-o mais eficiente, acessível e transparente para atender às demandas da sociedade. Especialistas, profissionais e entusiastas se reúnem para explorar como novas tecnologias e práticas sustentáveis podem transformar a Justiça, tornando-a mais ágil e alinhada às expectativas contemporâneas. Além disso, o FestLabs promove a colaboração em rede entre tribunais, essencial para compartilhar inovações e resolver desafios comuns. Os laboratórios de inovação oferecem um espaço criativo para o desenvolvimento de soluções que colocam as necessidades da sociedade no centro das discussões. A troca constante de experiências fortalece o Judiciário e inspira novas edições do evento, consolidando a inovação como um pilar estratégico para o futuro da Justiça.
Na sua visão, qual o maior gap no Poder Judiciário atualmente em termos de inovação?
O maior desafio que enfrentamos hoje no Judiciário é incorporar a inovação de forma consistente em todos os tribunais. Embora já existam laboratórios e iniciativas de inovação, muitos servidores e magistrados ainda desconhecem ou não utilizam essas ferramentas no seu dia a dia. Há também uma resistência natural dos gestores à adoção de novas tecnologias, o que, somado à falta de equipes dedicadas exclusivamente à inovação, limita a capacidade de implementar soluções eficazes de maneira contínua. Esse gap entre a disponibilidade tecnológica e a sua aplicação é um dos desafios que pretendemos enfrentar, ao fornecer um ecossistema amigável à experimentação.
Como a Justiça pode se alinhar às demandas da sociedade com mais transparência, acessibilidade e sustentabilidade nos processos?
A Justiça pode - e deve - se alinhar às demandas da sociedade, e um dos caminhos mais eficazes para isso é a promoção do acesso à justiça a todos os segmentos da sociedade, e para tanto, podemos usar a inovação e a tecnologia. Essa transformação permite fornecer cidadania de forma isonômica a todos os cidadãos, tornando amigável e natural esse acesso. Além disso, ferramentas tecnológicas, como plataformas de atendimento digital e sistemas em linguagem simples, ampliam a acessibilidade, tornando o acesso à Justiça mais rápido e inclusivo. As audiências virtuais também são um exemplo prático de como podemos otimizar recursos, reduzir o impacto ambiental e garantir celeridade processual. A implementação de práticas sustentáveis, como a gestão eficiente de energia e resíduos, reflete o compromisso do Judiciário em ser um modelo de transparência e responsabilidade ambiental, alinhado com as expectativas de uma sociedade que clama por processos mais ágeis e sustentáveis.
Como o uso consciente de recursos e a sustentabilidade podem impactar positivamente a gestão dos tribunais?
O impacto positivo da sustentabilidade na gestão dos tribunais é evidente. A digitalização dos processos, por exemplo, não apenas reduziu o uso de papel, mas também gerou economia de espaço físico e diminui o consumo de energia. O uso de audiências virtuais e a gestão remota dos processos também reduzem drasticamente a necessidade de deslocamentos, otimizando recursos e tempo. Essas práticas, além de garantirem eficiência, permitem que os tribunais redirecionem seus recursos para áreas inovadoras e melhorias nos serviços, beneficiando diretamente o cidadão e tornando o Judiciário mais dinâmico e moderno.
Como você vê o futuro da Justiça em termos de inovação tecnológica e quais são as áreas mais promissoras para o desenvolvimento?
Vejo o futuro da Justiça como promissor, especialmente com o avanço das ferramentas de análise de dados e de inteligência artificial (IA), que já estão sendo utilizada para automatizar tarefas repetitivas como triagem de processos e análise de documentos. A IA tem o potencial de acelerar a tramitação processual e permitir que os profissionais se concentrem em questões mais complexas e estratégicas. Ferramentas de análise de dados também são uma oportunidade para melhorar a gestão judicial e embasar decisões mais estratégicas e precisas. A combinação dessas inovações não só aumentará a eficiência do sistema, mas também fortalecerá a confiança pública no Judiciário.
6. Como você enxerga o impacto da inteligência artificial no processo judicial? Ela pode, de fato, tornar o sistema mais acessível e eficiente?
A inteligência artificial tem um impacto enorme no processo judicial, com o potencial de torná-lo mais acessível e eficiente. A IA já está automatizando tarefas repetitivas, como a análise de documentos e a triagem de processos, o que reduz significativamente o tempo de tramitação processual. Isso permite que magistrados(as) e servidores(as) se concentrem em questões complexas e estratégicas. Ferramentas como assistentes virtuais jurídicos podem oferecer um atendimento rápido e personalizado ao público, facilitando o acesso à informação. A IA também tem a capacidade de padronizar decisões judiciais, aumentando a previsibilidade e a confiança no sistema. No entanto, é essencial que a IA seja usada com responsabilidade, com supervisão humana em todas as etapas críticas, para que a automação não comprometa a imparcialidade ou a justiça dos julgamentos.
7. De que forma o Poder Judiciário pode adotar práticas tecnológicas de maneira ética, garantindo que a automação não prejudique a imparcialidade dos julgamentos?
A adoção de práticas tecnológicas no Judiciário deve seguir diretrizes que garantam que haja uma supervisão e revisão em determinadas fases de criação. Isso significa que é imprescindível a supervisão humana para que a tecnologia complemente as potencialidades, talentos e mão-de-obra humanos. Além disso, os algoritmos utilizados devem ser transparentes e auditáveis, para evitar qualquer tipo de viés algorítmico. A regulamentação clara dessas práticas, aliada ao monitoramento contínuo, é essencial para manter a confiança pública no sistema e garantir que a automação seja usada de forma ética e responsável.
8. Qual o papel da educação e do treinamento dos profissionais da Justiça na adaptação a essas novas tecnologias?
A educação e o treinamento dos profissionais da Justiça são essenciais para a adaptação às novas tecnologias. Precisamos desenvolver competências técnicas, como o uso da inteligência artificial, a gestão de dados e a operação de novas ferramentas digitais. Além disso, é fundamental fomentar uma cultura de inovação nos tribunais, em que servidores(as) e magistrados(as) estejam capacitados(as) para utilizar essas ferramentas de forma eficiente e responsável. A formação ética também desempenha um papel vital, garantindo que todos(as) compreendam os riscos e limites das inovações. Com o treinamento adequado, os(as) profissionais poderão melhorar a acessibilidade e a transparência dos serviços prestados, assegurando que o Judiciário acompanhe as mudanças tecnológicas com eficiência.
9. Como o I Prêmio de Inovação do Poder Judiciário pode incentivar essas mudanças? E quais foram as categorias e subcategorias premiadas?
O Prêmio Inovação é uma ferramenta importante para promover mudanças reais no Judiciário, pois reconhece e valoriza projetos que incentivam a eficiência, a transparência e a acessibilidade. Esse reconhecimento gera um efeito multiplicador, inspirando outros tribunais a buscarem soluções criativas e colaborativas. O prêmio também fortalece as estruturas de inovação, criando um ambiente propício para o desenvolvimento de novas ideias que podem transformar a Justiça. Ele valoriza iniciativas que implementam ferramentas de gestão avançadas, tecnologia inovadora e serviços que melhoram a interação com o público. Além de premiar as inovações com resultados comprovados, o Prêmio Inovação incentiva o desenvolvimento de ideias inovadoras, consolidando a inovação como parte central da cultura institucional do Judiciário.
10. Quais práticas inovadoras já estão sendo aplicadas e demonstrado resultados eficazes?
Diversas práticas inovadoras já demonstram resultados significativos no Judiciário. Iniciativas como o Domicílio Judicial Eletrônico, que centraliza as comunicações processuais em um único ambiente online, e o Pacto pela Linguagem Simples têm facilitado a comunicação entre Judiciário e sociedade. Outro exemplo é a Plataforma Digital do Poder Judiciário - PDPJ, que já permite o acesso integrado a todos os sistemas processuais eletrônicos do país. Essas práticas estão modernizando a Justiça, tornando-a mais eficiente, acessível e próxima da população.
11. Quais ações o CNJ tem realizado para promover a cultura da inovação no Judiciário?
O CNJ tem implementado várias ações estratégicas para promover a cultura da inovação no Judiciário. A Política Nacional de Gestão da Inovação, prevista na Resolução CNJ nº 395/2021, estabelece diretrizes claras para a criação de laboratórios de inovação em todos os tribunais, e o Programa Justiça 4.0 tem aproximado o Judiciário da sociedade ao disponibilizar novas tecnologias e ferramentas de IA. O CNJ também oferece workshops e capacitações para magistrados(as) e servidores(as), incentivando o uso de novas tecnologias no dia a dia. A plataforma RenovaJud centraliza com abrangência nacional as iniciativas de inovação, facilitando o compartilhamento de boas práticas entre os tribunais. Além disso, a Meta 9 reflete o compromisso do Judiciário com práticas sustentáveis e inovação, buscando sempre a melhoria da prestação jurisdicional. O FestLabs nacional, por sua vez, também é uma grande vitrine de inovação e, a partir do próximo ano, serão realizados FestLabs regionais, iniciando na região Nordeste, no Maranhão. Estamos em um momento decisivo para a modernização do Judiciário, e o CNJ segue comprometido em liderar essa transformação.
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