Visão do direito

Como combater a litigância predatória na sobrecarregada Justiça do Trabalho

A hiperjudicialização leva ao congestionamento do Judiciário lesando empresas, trabalhadores e os próprios cofres públicos

"Uma das estratégias é a aplicação de penalidades previstas no Código de Processo Civil (CPC) e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) contra o abuso de direito de ação" - (crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Por Acácia Mendes* e Fábio Valente* — A litigância predatória tem sido crescente no âmbito trabalhista. Impulsionados por interesses financeiros, advogados abusam do direito de ação para ajuizar demandas infundadas ou desproporcionais para obter vantagens financeiras indevidas. Por isso, urge a imposição de mecanismos para se coibir essa prática. Esses mecanismos existem, mas devem ser aprimorados com urgência.

A hiperjudicialização leva ao congestionamento do Judiciário lesando empresas, trabalhadores e os próprios cofres públicos. As lides verdadeiras, legítimas e comprovadas enfrentam morosidade para serem julgadas, comprometendo o acesso à Justiça. Na Justiça do Trabalho essa litigância surge com demandas repetitivas e sem fundamento, às vezes com valores exorbitantes, manipulação de provas, documentos e testemunhos falsos.

O propósito é, geralmente, pressionar a outra parte a um acordo, independentemente do mérito da causa. Há também a busca de vulnerabilidades do sistema judiciário, pela sobrecarga dos tribunais. Pelo abuso da hipossuficiência do trabalhador, pode-se propor ação desmedida e desproporcional. Há a manifestação dolosa, cujo centro é a abusividade consciente.

Para as empresas, esse tipo de prática causa prejuízos, tanto pelo custo das ações quanto pelo comprometimento da reputação. Para os trabalhadores, fica a morosidade para ações justas, a insegurança jurídica e o perecimento das relações de trabalho. É fato que a litigância predatória tem sobrecarregado o Judiciário. Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apontam que, apenas em 2024, até junho, foram ajuizadas 2.319.738 de ações perante os Tribunais Regionais do Trabalho e estão pendentes de julgamentos 5.136.456 ações trabalhistas. Essa alta demanda compromete a eficiência jurisdicional.

Os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) têm adotado medidas para combater a litigância predatória. Uma das estratégias é a aplicação de penalidades previstas no Código de Processo Civil (CPC) e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) contra o abuso de direito de ação. Destacam-se a imposição de multas, a condenação por litigância de má-fé e o pagamento de custas pelo beneficiário da justiça gratuita que injustificadamente faltar à audiência inicial. Outra medida que freou a litigância predatória após a Reforma Trabalhista de 2017 foi a imposição de honorários de sucumbência à parte beneficiária da justiça gratuita. Contudo, em 2021, por meio da ADIN 5766, o STF declarou tal situação inconstitucional.

Além disso, os TRTs promovem as Semanas Nacionais de Conciliação, que visam resolver os conflitos de maneira mais rápida e menos custosa para as partes. Ademais, atualmente, a inteligência artificial e as ferramentas de análise de dados identificam padrões de litigância predatória. Por meio dessas tecnologias é possível mapear comportamentos abusivos e, consequentemente, adotar medidas preventivas. Alguns TRTs já implementaram sistemas de monitoramento para rastrear demandas repetitivas e identificar advogados ou partes que atuam de forma abusiva.

Importante ressaltar as Notas Técnicas emitidas pelos Regionais do Trabalho sobre a prevenção e combate a Litigância Predatória. São elas: Nota Técnica 19 do TRT da 1ª Região (RJ); Nota Técnica 01/2024 , 02/2024 do TRT da 4ª Região (RS); Nota Técnica 02/2024 do TRT da 5ª Região (BA); Nota Técnica 04/2023 do TRT da 8ª Região (PA); Nota Técnica 7/2024 do TRT da 12ª Região (SC); Nota Técnica 5/2024, 001/2024 e 005/2024 do TRT da 15ª Região (Campinas); Nota Técnica 05-2022 do TRT da 17ª Região (ES).

Além destas frentes, os Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs) poderão ser uma importante ferramenta jurídica nesse enfrentamento. No âmbito trabalhista ainda não temos a provocação e o julgamento, mas que poderão surgir, permitindo que os TRTs decidam de forma vinculante sobre questões de direito que sejam comuns a várias ações, evitando, dessa forma, decisões contraditórias e a multiplicação de processos sobre o mesmo tema.

O combate à litigância predatória necessita de abordagem enérgica de todos os entes: Judiciário, Ordem dos Advogados do Brasil, sociedade em geral, inclusive com foco no desdobramento criminal, quando diante de lides fraudulentas. A adoção de medidas, o uso de tecnologias para identificar padrões de abuso, bem como das notas técnicas e dos precedentes, são estratégias essenciais para proteger o sistema de Justiça. Com esses mecanismos, espera-se que o Judiciário Trabalhista continue a desempenhar seu papel de excelência de forma justa e eficiente, preservando os direitos de todos os envolvidos.

*Acácia é advogada no Banco BMG, especialista em direito processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

*Fábio é advogado, gerente executivo jurídico do Banco BMG, com MBA pelo IDP e pós-graduação em processo civil

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postado em 12/09/2024 03:30
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