Entrevista — Procurador-geral de Justiça do Distrito Federal

Georges Seigneur: "Combate à corrupção e defesa dos direitos do cidadão são indissociáveis"

No comando do MPDFT, Seigneur criou e presidiu um grupo de gestão para acompanhamento da intervenção federal na segurança pública do DF que lidou com mais de 1,3 mil prisões e colaborou com cerca de mil audiências de custódia

Procurador-geral de Justiça do DF, Georges Seigneur -  (crédito: Divulgação/MPDFT)
Procurador-geral de Justiça do DF, Georges Seigneur - (crédito: Divulgação/MPDFT)

O procurador-geral de Justiça do DF, Georges Seigneur, estava no início do mandato quando precisou lidar com uma situação de crise: o 8 de janeiro de 2023. No comando do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), ele criou e presidiu um grupo de gestão para acompanhamento da intervenção federal na segurança pública do DF que lidou com mais de 1,3 mil prisões e colaborou com cerca de mil audiências de custódia.

Passada a fase aguda, Seigneur apostou em tecnologia, inteligência artificial e manteve a equipe de promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) que atuou em várias investigações na área de saúde. Na gestão de Seigneur, o Gaeco realizou mais de 20 operações, incluindo a Operação Vigia, que atingiu diretamente a cúpula da Polícia Civil do DF.

Candidato à recondução, Seigneur tem apenas um adversário, o promotor de Justiça Antônio Suxberger. Dessa forma, os dois estão na lista que será encaminhada ao presidente Lula, para nomeação do próximo chefe do MPDFT, para o biênio 2024-2026. A campanha, então, será, na verdade, um teste de popularidade pelo trabalho realizado.

Quais foram os principais acertos de sua gestão?

Talvez essa pergunta seja melhor respondida pela sociedade e pelos integrantes, colegas do MPDFT. Porém, posso apresentar alguns números. No atendimento à população, alcançamos 97% de satisfação em pesquisa recente que realizamos. No quesito transparência, obtivemos índice de 100% em análise do CNMP. Somos o MP com maior êxito nos recursos perante o STJ, com índice de 65%, enquanto a média nacional é 14% (geral) e 35% entre os MPs. Neste ano, temos 40 projetos pré-selecionados para a premiação do CNMP. Estamos entre os 5 MPs que mais apresentaram soluções. Em menos de dois anos, promovemos 44 acordos de cooperação com instituições públicas para melhoria dos serviços nas mais diversas áreas. Criamos uma assessoria especializada em tecnologia e estamos na vanguarda do uso da Inteligência Artificial para agilização dos serviços e melhor compreensão dos problemas sociais. Fortalecemos a atuação nos direitos humanos, nas áreas investigativas e na promoção de políticas públicas. Tudo isso é trabalho coletivo. Formamos uma equipe forte e implementamos uma gestão realmente participativa, na prática e não apenas no discurso. Destaco, ainda, a nomeação de uma mulher (pela primeira vez na história do MPDFT) para a secretaria-geral e a pacificação interna, que é importante para o trabalho em equipe.

Em que áreas pretende avançar?

Nós avançamos muito no uso da tecnologia e esse é um caminho sem volta. Estamos abordando essa revolução tecnológica com extrema seriedade e responsabilidade, reconhecendo tanto o seu potencial inovador quanto os desafios éticos e práticos que apresenta. Também avançamos na humanização do atendimento e da concretização da Justiça. Temos feito isso de forma complementar e buscaremos aprimoramento. Hoje, temos ferramentas próprias de IA voltadas à análise de dados nas mais diversas áreas do MP, inclusive violência doméstica. Sobre esta última, criamos recentemente uma comissão multidisciplinar que se dedica à compreensão das complexidades que envolvem o feminicídio. Os números são alarmantes e o percentual de condenação é de quase 100%. Mas é preciso agir na prevenção, na proteção à vida. O MP tem de avançar de acordo com as demandas da sociedade, na defesa dos seus direitos e garantias constitucionais. Temos questões sociais sérias nas áreas da saúde, educação, segurança, patrimônio público, proteção de grupos vulneráveis, como a população de rua, por exemplo, e do combate à violência.

Qual deve ser o foco do MP? Mais combate à corrupção ou mais defesa dos direitos do cidadão?

O combate à corrupção e a defesa dos direitos do cidadão são indissociáveis, um não existe sem o outro. O foco do MP deve ser a dignidade da pessoa humana, que engloba os dois. A essência do MP é a proteção dos direitos e todos esses direitos estão relacionados de alguma forma ao exercício pleno da cidadania, ao acesso a serviços e garantias que melhorem a vida da população, que protejam a vida. O combate à corrupção é fundamental nesse contexto porque o mau uso dos recursos públicos leva à deterioração dos serviços e dos equipamentos públicos que são primordiais ao desenvolvimento social e à garantia da vida. Temos de olhar em todas as direções e atuar de forma articulada. O MP é a soma da proteção à sociedade, do respeito aos direitos humanos, da fiscalização e cobrança de politicas públicas.

O Brasil regrediu no combate à corrupção depois das derrotas judiciais da Operação Lava-Jato?

O combate à corrupção está no contexto da macrocriminalidade e isso impõe desafios de atuação, principalmente na produção de provas e no desmantelamento de organizações sofisticadas que se estabelecem e se ramificam no Poder Público. Nesse sentido, é preciso agir com mais eficiência, respeitando os ditames constitucionais, haja vista que somos responsáveis pela defesa da ordem jurídica. A modernização da atuação é imprescindível, respeitando-se sempre o processo legal. No MPDFT, temos avançado principalmente no campo da colaboração entre instituições para compartilhamento de dados. A informação é a arma mais poderosa. Somos referência na investigação de crimes cibernéticos e nos que estão relacionados a cryptoativos. Nesses 18 meses de gestão, somente o Gaeco atuou em mais de 20 operações próprias ou em parceria com outros MPs, nas mais diversas áreas do crime organizado como fraudes na saúde, grilagem de terra e desvio de patrimônio público, por exemplo. Isso resultou em bloqueio de mais de R$ 200 milhões para reparação de danos. É um trabalho silencioso e demorado porque precisa ser feito de forma responsável.

O MP deve procurar conciliações e acordos com o Poder Público antes da via judicial?

Não apenas acredito como defendo essa forma de atuação. O processo judicial é caro, demorado e desgastante. A sociedade quer agilidade na solução dos seus problemas, na proteção dos seus direitos. O diálogo é a nossa primeira via, quando não funciona, temos as ferramentas da lei. Vou citar um exemplo. Recentemente, firmamos um Termo de Ajustamento de Conduta com uma empresa que fornece alimentação para os presídios. Foi um acordo histórico, que vai destinar R$ 800 mil a projetos de melhoria do sistema prisional e para a sociedade em geral. Na educação, por exemplo, o MPDFT enviou recomendação para o governo local nomear o maior número possível de monitores para apoio aos alunos com deficiência. Isso resultou no anúncio da nomeação de 1,8 mil profissionais. Esse é apenas um exemplo, além de várias recomendações assinadas com outras promotorias.

Que legado quer deixar como procurador-geral de Justiça?

O legado que precisamos deixar, como membros do MP, é uma sociedade mais justa e igualitária, que conhece e exerce os seus direitos. O meu desejo é que a população enxergue o MP como um aliado na conquista de uma vida melhor e no exercício da Justiça. Porque o acesso aos direitos melhora a vida do cidadão. Quero que a aproximação com a sociedade seja uma realidade e temos trabalhado fortemente para isso, em todos os aspectos. Recentemente, tivemos uma experiência sobre o que penso que deve ser o MP. Recebemos representantes da Comissão de Direitos Humanos da CLDF, acompanhados de cidadãos, principalmente mães que perderam filhos em razão da falta de estrutura nos serviços de saúde no DF. Foi uma reunião dolorosa, com relatos comoventes, mas que nos fortaleceram no propósito de buscar justiça para esses casos, além de nos permitir auxiliar as vítimas nos pedidos de reparação. Entendemos que a Justiça deve ser para todos e a construção de soluções exige aproximação e conhecimento das necessidades dos cidadãos. Precisamos viver em uma sociedade em que a excelência dos serviços e a eficiência da administração pública sejam elementares. Nesse sentido, o MP é um agente fundamental para fiscalizar e cobrar resultados, de quem quer que seja.

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postado em 05/09/2024 05:00 / atualizado em 05/09/2024 12:00
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