Análise

Visão do direito: Transparência e controle social

"As constantes inovações tecnológicas permitem aos cidadãos obter informações de propostas de governo, conhecer a ideologia política, e até mesmo debater assuntos de grande relevância para a comunidade com seus candidatos(as)"

 :Maritisa Mara Gambirasi Carcinoni - advogada e integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/DF -  (crédito:  arquivo pessoal)
:Maritisa Mara Gambirasi Carcinoni - advogada e integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/DF - (crédito: arquivo pessoal)

Por Maritisa Mara Gambirasi Carcinoni* — Os(as) candidatos(as) e os partidos políticos devem ficar atentos ao calendário de 2024. Entre 9 e 13 de setembro, os players devem enviar à Justiça Eleitoral a prestação parcial de contas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE). As informações devem conter as movimentações financeiras e/ou estimáveis em dinheiro realizadas do início da campanha até 8 de setembro, conforme o art. 47, § 4o da Resolução 23.607/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

As constantes inovações tecnológicas permitem aos cidadãos obter informações de propostas de governo, conhecer a ideologia política, e até mesmo debater assuntos de grande relevância para a comunidade com seus candidatos(as). Da mesma forma, essa revolução eletrônica possibilita que os(as) eleitores(as) certifiquem-se quem são os financiadores da campanha e de que forma os candidatos gastam os recursos recebidos.

Dessa forma, as prestações de contas parciais são instrumentos de fundamental importância para a tomada de decisão do(a) eleitor(a). O próprio legislador expressa sua preocupação com a movimentação financeira durante as campanhas eleitorais. Os(as) candidatos(as) e os partidos devem declarar as doações recebidas em suas contas eleitorais até 72 horas após o recebimento, ou seja, os donatários devem informar as quantias recebidas e as origens desses recursos.

Ademais, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 13 da Resolução 23.607/2019 do TSE, as contas bancárias abertas com o CNPJ dos candidatos e dos partidos não são protegidas por sigilo. Rememora-se que os(as) candidatos(as) e os partidos são obrigados a abrir conta bancária específica, mesmo que inexista movimentação financeira, nos termos do art. 22 da Lei 9.504/2024.

Essas normas asseguram o controle social sobre o fluxo de valores das campanhas eleitorais, corolário do princípio da transparência e da publicidade. Tais premissas permitem que a sociedade civil acompanhe o proceder dos seus elegíveis em relação ao accountability das receitas e despesas de campanha, bem como combater possíveis abusos de poder econômico de candidaturas.

Até as eleições de 2018, a omissão ou o atraso do envio da prestação de contas parcial, desde que corrigida na prestação de contas final, consistia em mera impropriedade a qual não ensejava consequência na análise contábil. A contabilidade das campanhas eleitorais tinha como destinatária a Justiça Eleitoral, sendo os(as) eleitores(as) meros coadjuvantes na fiscalização.

Em regra, os prestadores de contas não precisavam justificar suas omissões nos balanços parciais, desde que fizessem a declaração correta nas contas finais. A ocultação das doações de bens e serviços no balanço contábil parcial impedia que os(as) eleitores(as) obtivessem informações primordiais na escolha de seus representantes. O TSE possui diversos julgados no sentido de que "havendo o registro integral da movimentação financeira de campanha na prestação de contas final, a falha [a omissão de envio de relatórios financeiros em contas parciais] enseja tão somente a anotação de ressalva" (AgR-AI n° 0600055-29/SC, Rel. min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe 19.2.2020).

Contudo, nesse mesmo julgado, o ministro Edson Fachin apresentou voto-vista para demonstrar, de fato, a relevância da prestação de contas parciais. Nas palavras do excelentíssimo ministro, "a divulgação parcial e antecipada de receitas, transferências e despesas visa não apenas a recrudescer a aura de confiabilidade das contas finais, na medida em que oferece aos órgãos de análise parâmetros que permitem a corroboração dos registros constantes das contas consolidadas, como também, franquear ao corpo de votantes referências concretas sobre o comportamento dos concorrentes, seja no que concerne às relações firmadas com representantes de interesses privados, seja com relação à racionalidade empregada na gestão de recursos financeiros, seja ainda no que diz com a necessária avaliação em torno da probidade na condução das campanhas".

Essa fundamentação serviu de paradigma para a viragem jurisprudencial. Compreendendo a necessidade do controle social nas contas de campanha, o TSE alterou seu entendimento para as eleições de 2020 para desaprovar as contas de candidatos(as) e partidos que se omitirem ou atrasarem a declaração de receitas e despesas de forma parcial. "Esta Corte Superior [TSE] firmou entendimento, aplicável às eleições de 2020 e subsequentes, no sentido de que a omissão de informações em prestações de contas parciais e relatórios financeiros configura irregularidade, haja vista comprometer a transparência, a lisura e a confiabilidade das contas" (PCE n. 0601635-60/DF, relator ministro Raul Araújo, DJe 29.8.2023). Esse apontamento, por si só, é passível de desaprovação das contas apresentadas à Justiça Eleitoral.

Essa postura mais rigorosa atribui maior cuidado aos(às) candidatos(as) e aos partidos quanto aos balanços contábeis parciais. Como se vê, os órgãos julgadores estão preocupados não apenas com a formalidade da prestação de contas, mas que informações relevantes, como os financiadores de campanha, sejam acessíveis ao(à) eleitor(a), possuidor do poder constituinte originário. O art. 21 da Declaração Universal dos Diretos Humanos da ONU expressa que "a vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto".

Dessa forma, o princípio republicano exige das autoridades públicas o compromisso de prestar contas e o direito do(a) cidadão(a) de pedir essas informações. É requisito indissolúvel que qualquer pretendente a cargos eletivos e o partido o qual ele representa enviem suas prestações de contas parciais a fim de permitir o efetivo controle social. Rememore-se que os partidos que tiverem suas contas eleitorais rejeitadas serão sancionados com suspensão de repasses de quotas do Fundo Partidário por um a 12 meses, nos termos do art. 25 da Lei 9.504/1997.

A rigor, o dever de prestar contas não é mero formalismo. Essa exigência legal consiste na obrigação de os(as) candidatos(as) e os partidos apresentarem os financiadores de suas campanhas e de demonstrar como esses recursos foram utilizados. Quem pretende cargo eletivo deve ser e parecer um bom gestor. A administração financeira de campanha deve ser fiscalizada e julgada à luz da legalidade, legitimidade, economicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, requisitos intrínsecos à administração pública.

*Advogada e integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/DF 

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postado em 05/09/2024 04:00
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