Análise

Visão do direito: O STF na defesa da democracia

"As medidas do STF, longe de serem uma afronta à liberdade de expressão ou de serem previamente referidas como atos de censura, guardam razões jurídicas as quais todo cidadão deveria, efusivamente, defender"

Thiago Turbay Freiria, sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados -  (crédito: Divulgação)
Thiago Turbay Freiria, sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados - (crédito: Divulgação)

Por Thiago Turbay Freiria* — O 8 de janeiro de 2023 marcou um ponto de inflexão para o Brasil. Após os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, ficou evidente que era imprescindível adotar medidas mais rigorosas para conter a disseminação de fake news e a atuação das chamadas "milícias digitais". A Suprema Corte deu respostas que merecem reflexão.

Desde então, as instituições promoveram iniciativas de contenção, o que desborda no conceito de democracia defensiva ou combativa: ações necessárias para evitar a erosão das democracias mediante ataque multiagenda e multinível às instituições constituídas. O Supremo Tribunal Federal foi provocado e intensificou investigações originárias, com escopo de interromper a propagação de desinformação e financiamento de grupos que ameaçam a democracia.

Como parte dessas ações, perfis em redes sociais, como o X (ex-Twitter), usados para atacar instituições democráticas, foram bloqueados. Tais medidas enfrentaram grande resistência, especialmente da extrema direita, que alegou violação da liberdade de expressão. Mas que liberdade de expressão é essa? Há grande divergência do conteúdo de liberdade ante a proteção às ofensas detratoras de direitos. Existem liberdades incomunicáveis com o Estado Democrático de Direito.

O X descumpriu ordens judiciais. Não retirou do ar os perfis investigados, dando início a um grande embate jurídico entre a Corte brasileira e uma das maiores plataformas digitais do mundo. No entanto, as medidas do STF, longe de serem uma afronta à liberdade de expressão ou de serem previamente referidas como atos de censura, guardam razões jurídicas as quais todo cidadão deveria, efusivamente, defender.

A liberdade de expressão, embora fundamental, não é absoluta e deve ser equilibrada com a proteção constitucional que proíbe discursos ofensores de bens jurídicos sob tutela do Estado. Quando a liberdade de expressão é utilizada para desestabilizar o regime democrático, ela deixa de ser um direito legítimo e é necessário que haja responsabilização nessa história.

A proteção dessa estrutura discursiva deve ser rigorosa contra o direito penal fragmentado, que atua como um mecanismo de regulação e estabelece condutas proibidas. Consequências jurídicas devem afetar a liberdade de forma a promover a emancipação das liberdades individuais, em contraste com a criminalização inadequada. Todavia, é preciso conter excessos e, esse é o debate fundamental.

Dito isso, para determinar se as plataformas de internet podem ser responsabilizadas penalmente, é necessário considerar se uma política de controle eficaz poderia impedir a disseminação de conteúdo ilícito, se a monetização de perfis responsáveis contribui para a propagação desses conteúdos e se a plataforma cria um ambiente propício para práticas ilegais. A análise deve revelar se a ausência de mecanismos eficazes para bloquear práticas ilícitas pode aumentar o risco ao bem jurídico.

O posicionamento de Alexandre de Moraes, respaldado pelos demais ministros do STF, apresenta um critério de decisão acerca dos fatos, aplicando-se regramentos acerca da exigência para empresas estrangeiras operarem no Brasil e garantias aos usuários e à sociedade, respaldadas no Marco Civil da Internet.

Estabelecer critérios de decisão claro é instrumento profícuo e permite à sociedade manejar instrumentos de correção, para tanto é preciso cotejar a função diretiva do estado juiz, para que não transborde. Para além das possíveis ações desproporcionais, como o bloqueio e multa de VPN, é necessário crivar a decisão de aspectos intransitivos: a defesa do Estado Democrático de Direito.

Esse episódio reafirma a soberania do Brasil frente à influência estrangeira e estabelece um parâmetro significativo para a manutenção dos princípios constitucionais e a supremacia dos interesses nacionais sobre a manipulação digital.

*Doutorando em direito pela Univesitat de Girona (Espanha), mestre em direito pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em raciocínio probatório pela Universitat de Girona (Espanha) e pela Università Degli Studi di Genova (Itália), pós-graduado em direito probatório pela Universidad Alberto Hurtado (Chile), sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados

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postado em 05/09/2024 04:00
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