Fernando Dantas* — A Transferência do Direito de Construir (TDC) é o instrumento que permite ao proprietário de um lote exercer seu potencial construtivo em outro local ou vendê-lo a terceiros. Essa ferramenta é essencial em áreas onde o Poder Público deseja manter baixa densidade, assegurando que o desenvolvimento urbano ocorra em regiões onde a densificação é desejável ou, pelo menos, aceitável.
Enquanto o Rio de Janeiro avança com a capitalização dos times de futebol por meio dessa política, o Distrito Federal pode extrair lições valiosas para aprimorar suas próprias estratégias urbanísticas. A regulação urbanística do Rio de Janeiro permite que as áreas dos estádios de São Januário, Laranjeiras e a sede da Gávea, pertencentes ao Vasco, Fluminense e Flamengo, transfiram seus potenciais construtivos a terceiros, ampliando empreendimentos imobiliários em outras partes da cidade.
Recentemente, o Flamengo optou por construir seu novo estádio no Gasômetro, uma região portuária próxima ao centro da cidade, em vez de na sede da Gávea. Embora inicialmente não houvesse permissão para essa construção no Gasômetro, os benefícios para a sociedade são evidentes: preservação da Gávea e desenvolvimento do Gasômetro.
A medida viabiliza o manejo do direito de construir, preservando espaços tombados e protegidos, ao mesmo tempo em que dinamiza áreas urbanas com infraestrutura para abrigar novos empreendimentos e maior densidade populacional. O plano diretor do Rio de Janeiro também aplica esse instrumento para conservar a cobertura vegetal, implantar equipamentos públicos, preservar o patrimônio histórico, ambiental, paisagístico e social, além de apoiar programas de regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por populações de baixa renda.
Com isso, inúmeras operações urbanísticas são viabilizadas, gerando um ambiente de negócios no qual a circulação de direitos patrimoniais e da riqueza associada impulsiona transformações urbanas e gera recursos tributários. Esses exemplos de sucesso, como as operações para o BRT em Porto Alegre e a renovação de estádios para a Copa de 2014, mostram o potencial da Transferência do Direito de Construir. Aqui, essa estratégia pode ser ainda mais relevante, considerando as necessidades e as peculiaridades de uma capital cujo plano urbanístico é patrimônio histórico da humanidade.
Chama a atenção, a pouca utilização desse mecanismo como instrumento econômico de política urbana, diante das necessidades urbanísticas e das particularidades da capital. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) e a Lei Distrital 3.922/2006 regulam a aplicação da Transferência do Direito de Construir para a implantação de equipamentos urbanos e comunitários, preservação de imóveis de interesse histórico, ambiental, paisagístico e social, e programas de regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por populações de baixa renda.
Uma cidade modernista em meio a núcleos urbanos com dinâmicas correlacionadas, mas distintas, oferece uma oportunidade para ampliar a utilização da Transferência do Direito de Construir como estratégia de dinamização de espaços urbanos. Isso é especialmente relevante na revisão do PDOT, em áreas de expansão urbana como Jardim Botânico e Tororó, que têm se transformado rapidamente em cidades.
Para que o Distrito Federal mantenha controle e governança sobre seu território, é essencial adotar políticas que se articulem a mecanismos de mercado, coordenando os interesses dos proprietários e do governo, promovendo um ambiente de negócios que incentive a dinamização de espaços urbanos equilibrados, respeitando o meio ambiente e contemplando a mobilidade e a infraestrutura existente.
Ampliar e coordenar a aplicação desse instrumento nas áreas de expansão urbana, conforme a revisão do PDOT, é crucial para transformar de forma sustentável as regiões em crescimento no Distrito Federal, promovendo um desenvolvimento urbano que respeite o meio ambiente e atenda às necessidades da população. Esse mecanismo incentiva a preservação de espaços naturais, permitindo a transferência do direito de construir para áreas mais adequadas para abrigar moradias, comércios, escolas, órgãos públicos e outras atividades urbanas.
Fernando Dantas é advogado, especialista em direito imobiliário, urbanístico e ambiental, sócio do escritório Carvalho Dantas & Palhares e autor do livro Propriedade Imobiliária nas Cidades: O Caos e a Criação de Espaços Urbanos