Raphael de Campos Silva* — Nos últimos anos, se tornou comum a utilização da arbitragem em contratos como meio de solucionar conflitos empresariais. Esse método se destaca pelas suas características únicas como celeridade, eficiência, flexibilidade e principalmente, por dar maior autonomia às partes, o que possibilita assertividade nas decisões. No entanto, no âmbito do direito imobiliário, a arbitragem também está tomando espaço importante, surgindo em diversos contratos de empresas que administram os aluguéis entre particulares. Muitas dessas administradoras, geralmente, impõem contratos modelos com cláusula de arbitragem e impedem sua modificação pelas partes, que são compelidas a aderir os termos, cerceando sua autonomia e contrariando os princípios que norteiam o procedimento.
Considerando isso, surgiram diversas dúvidas quanto à utilização desse procedimento no âmbito de contratos imobiliários, mais precisamente no tocante à cobrança de aluguéis e despejo dos inquilinos que estão inadimplentes com os pagamentos. A partir do momento em que as partes escolhem a arbitragem como meio de solução de conflitos, a cobrança está restrita ao procedimento arbitral, sendo vedado o ingresso das partes no Judiciário para discutir o mérito da cobrança.
Frisa-se que essa escolha deve ser livre, ou seja, não pode haver dúvidas sobre a intenção das partes de optarem pela arbitragem, sendo necessário assinatura logo abaixo da cláusula e destaque em negrito no contrato, por exemplo. Caso essas e demais regras não sejam seguidas, é possível requerer a nulidade da cláusula através do Poder Judiciário, em virtude das regras do Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, quando se analisa o despejo do inquilino ainda há dúvidas se é possível adotar o procedimento arbitral ou ingressar diretamente no Poder Judiciário. Essa questão está pautada na legislação que prevê o procedimento do despejo e no poder de coerção do árbitro, isto é, a possibilidade de compelir a parte a cumprir os termos da decisão. Ocorre que, apenas o Poder Judiciário, por força de lei, tem a competência para obrigar a parte a sair do imóvel. Essa competência não invalida o procedimento arbitral, contudo, é importante constar que do ponto de vista da efetivação do despejo, o Poder Judiciário, é o único capaz de emitir mandado para que o inquilino saia do imóvel, permitindo que o Oficial de Justiça, junto de força policial, cumpra a ordem judicial.
Em 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestou sobre o tema, sustentando que a natureza da ação de despejo é a restituição do imóvel através do caráter executivo do pedido e que a utilização da arbitragem não parece ser adequada para decidir sobre isso. Por outro lado, Tribunais Estaduais como o de Minas Gerais e São Paulo, manifestam contra esse entendimento, sustentando que é possível ingressar com o pedido de despejo no âmbito da arbitragem, na medida em que a legislação brasileira fixa que a ação de despejo, em regra, deve seguir o rito ordinário, possibilitando defesa ao réu e produção de provas pelas partes, antes da decisão sobre a saída do inquilino.
Raphael de Campos Silva é advogado associado da área de direito empresarial do escritório Suzana Cremasco Advocacia, especialista em processo civil pela Faculdade Baiana de Direito e direito empresarial pelo Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais