Visão do direito

Os desafios para a regulamentação das apostas no Brasil

A chamada de ‘Lei das Bets’ (n.º 14.790/2023) foi um avanço significativo ao estabelecer critérios sobre tributação e normas para a exploração desse serviço

Por André Coura* Antônio Silvério Neto * — A legislação que proíbe cassinos e outros jogos de azar no Brasil foi implementada em 1941, mas o avanço tecnológico trouxe novos desafios, especialmente com o crescimento dos jogos digitais e suas possibilidades. Depois de anos operando em uma zona cinzenta, o mercado das apostas de quota fixa, em que o apostador conhece antecipadamente quanto receberá em caso de acerto, ganhou uma legislação especifica no final de 2023. A chamada de ‘Lei das Bets’ (n.º 14.790/2023) foi um avanço significativo ao estabelecer critérios sobre tributação e normas para a exploração desse serviço.

Recentemente, o Ministério da Fazenda deu mais um passo com a publicação de uma nova portaria que estabelece critério técnicos também para jogos de apostas on-line. Diferentemente das apostas esportivas, os resultados dessa modalidade são aleatórios, gerados a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras. Exemplo dessa categoria é o “Jogo do Tigrinho”, que ganhou as manchetes após casos de endividamento de jogadores e divulgação massiva por influenciadores digitais.

As medidas buscam cobrar maior clareza dos sistemas de apostas, exigindo que os operadores informem claramente aos apostadores todos os jogos disponíveis, detalhem os retornos e a respectiva tabela de pagamentos. As empresas detentoras desses jogos também deverão apresentar, no momento da aposta, o fator de multiplicação para cada real apostado, indicando o valor total que será recebido em caso de premiação. Também foram estabelecidos critérios de tributação, requisitos para a exploração do serviço, destinação das receitas arrecadadas e sanções em caso de descumprimento.

A preocupação com a saúde mental e financeira dos jogadores é central na regulação, já que o risco de perdas patrimoniais graves coloca famílias em situações de grande vulnerabilidade. A Portaria 1330/23 do Ministério da Fazenda, chamada de Portaria do Jogo Responsável, introduziu medidas como limites de tempo e perda por apostador e um cadastro rigoroso para proteger os jogadores, incluindo períodos de pausa e autoexclusão.

No entanto, ainda há incertezas sobre a eficácia desses mecanismos, especialmente em relação a menores de idade e ludopatas. No Brasil, a ludopatia é o terceiro maior vício, atrás apenas do álcool e do tabaco. Por sua vez, dados recentes da PwC indicam que as apostas têm afetado o orçamento das classes sociais mais baixas — de 2018 para cá, elas subiram de 0,27% do orçamento dessas famílias para quase 2%. Diante disso, fica evidente como a legalização das apostas on-line exige medidas rigorosas para prevenir danos sociais.

Embora a medida preveja que pessoas diagnosticadas com vício em jogos não possam jogar, a identificação durante o cadastro é complexa. Não existe, por exemplo, um cadastro nacional de ludopatas, e a responsabilidade de identificá-los recai sobre as empresas de apostas. A autodeclaração de renda é outro ponto crítico. A lei permite que jogadores façam autodeclarações, mas isso pode não refletir a realidade. A comprovação de renda por meio de documentos como declarações de imposto de renda ou holerites seria uma medida mais segura, mitigando os riscos de falsidade ideológica.

Como a maior parte dessas empresas tem registro fora do Brasil, todo o dinheiro investido ali é automaticamente enviado para contas de outros países. Além de impedir a arrecadação de impostos pelo governo brasileiro, isso dificulta a identificação e a investigação de possíveis crimes e fraudes. Vale também destacar que os jogos de azar on-line oferecem inúmeras oportunidades para o envolvimento de criminosos em fraude, roubo, extorsão, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Apesar de a regulamentação pelo Ministério da Fazenda ser um passo importante para legalizar a atividade, ainda há um problema na legislação brasileira. O artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei 3.688/1941), que proíbe jogos de azar no país, ainda está em vigor e só pode ser revogado por uma lei posterior, não por um ato administrativo, como uma portaria. Isso pode gerar muitos debates no Judiciário e aumentar a insegurança jurídica no setor.

A verdade é que a complexidade da implementação prática das novas regras indica que ainda há um longo caminho para a plena legalização e regulamentação dos jogos de azar on-line no país. A proteção dos jogadores, a prevenção do vício e a garantia de um ambiente seguro e transparente para apostas são desafios cruciais que o governo e as empresas de apostas precisam enfrentar para que a nova lei cumpra seu propósito de forma eficaz e responsável.

André Coura, graduado e mestre em direito pela Universidade FUMEC (MG), atua no consultivo e contencioso estratégicos, com foco em compliance criminal, investigações e processos criminais complexos

Antônio Silvério Neto, graduado em direito e pós-graduado em direito penal e criminologia pela PUC-RS, atua na área criminal com especialização no consultivo e contencioso criminal em casos de alta complexidade, especialmente em operações policiais.

André Coura: atua no consultivo e contencioso estratégicos, com foco em compliance criminal, investigações e processos criminais complexos

Antônio  Silvério Neto: atua na área criminal com especialização no consultivo e contencioso criminal, especialmente em operações policiais

 

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