Por André Gimenez* — Mais uma vez, observamos ações da Receita Federal em sua busca por aumentar a arrecadação a qualquer custo. Não podemos esquecer que, em junho deste ano, o presidente Lula sancionou uma Medida Provisória que limitava os contribuintes na compensação de créditos homologados pela Justiça para abatimento de impostos, em clara afronta às garantias constitucionais que asseguram a segurança jurídica e os princípios legais. Felizmente, o Congresso, pressionado pelos contribuintes, devolveu parte da MP e impediu que essa medida produzisse todos os seus efeitos, evitando que o governo federal absorvesse uma parte significativa da economia dos contribuintes.
Agora, a Receita intensificará a fiscalização sobre a prática de compensação cruzada, na qual créditos de um tributo são utilizados para abater outros impostos, sob o argumento de combater fraudes nessa área. Para isso, foi reforçado o grupo de auditores responsáveis por verificar a autenticidade das declarações de crédito utilizadas pelas empresas nessas compensações. Essa ação, sendo um ato discricionário decorrente do poder de polícia do governo, garantido constitucionalmente, independentemente de regulamentação, o que impede o Congresso de barrar esse aumento forçado na arrecadação.
É importante ressaltar que as fiscalizações sobre o uso de créditos tributários pelas empresas já são extremamente rigorosas e apresentam um caráter altamente inquisitivo. A prova disso é que grande parte dos autos de infração emitidos pela Receita contra créditos utilizados por grandes empresas acaba sendo revertida na fase administrativa, uma vez que a comprovação da correta aplicação dos critérios para compensações frequentemente resolve os questionamentos. Contudo, responder às intimações da Receita demanda um esforço significativo, tempo considerável e, muitas vezes, a expertise de grandes escritórios de consultoria tributária, devido à vasta e complexa legislação fiscal brasileira. Mesmo uma simples intimação requer um cuidado minucioso para evitar mais complicações.
Qualquer movimento em direção ao enfrentamento de condutas socialmente reprováveis merece total apoio. Contudo, é importante reconhecer que esses casos representam uma pequena fração diante de um cenário em que a grande maioria dos contribuintes utiliza o sistema de compensações cruzadas em respeito ao princípio da não cumulatividade dos tributos, para evitar que os preços dos produtos sejam inflacionados por impostos decorrentes de suas próprias operações. Esse sistema é saudável para a economia e promete ser mais abrangente com a entrada em vigor do novo sistema tributário, previsto pela Reforma Tributária.
Segundo os recentes dados oficiais publicados pela Receita, dos R$ 2,6 trilhões em dívidas tributárias, 82% estão com a exigibilidade suspensa por conta de ações tanto no âmbito administrativo quanto judicial. Com a intensificação das fiscalizações, que têm como pretexto a redução de fraudes, é provável que vejamos um aumento significativo de discussões em ambas as esferas. Isso ocorre porque, muitas vezes, os agentes fiscalizadores desconsideram a legitimidade de compensações tributárias com base em fundamentos superficiais, gerando grande insegurança entre os contribuintes.
Qualquer deslize ou perda de prazos para defesa pode levar à ruína econômica dos estabelecimentos, dada a severidade das multas e juros aplicados em casos de dívida tributária. Os agentes fiscalizadores não têm nenhuma responsabilidade direta por eventuais erros ou incorreções, o que os permite lavrar inúmeros autos de infração com o objetivo de aumentar a arrecadação de maneira forçosa, sem se preocupar com as consequências. Dessa forma, é provável que assistamos a um enrijecimento dos critérios de fiscalização e a um consequente aumento nas disputas entre o Fisco e os contribuintes.
André Gimenez é: Chefe de operações no Simões Pires Advogados e professor no núcleo de direito tributário do Instituto Ives Gandra Martins