Por Paulo Magalhães Nasser* — O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu recentemente diretrizes para a anulação de sentenças arbitrais, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais de arbitragem. Ao julgar o pedido de um médico para anular uma arbitragem que perdeu contra uma empresa de saúde da operadora Amil, o STJ destacou que a mera omissão de informações pelo árbitro, no exercício do dever de revelação, não é suficiente para desconsiderar a sentença de um tribunal arbitral, a menos que esta omissão comprometa concretamente a imparcialidade e a confiança das partes no processo.
Um dos instrumentos para controlar a imparcialidade no processo é o dever de revelação, pelo qual devem ser informados às partes fatos que possam representar conflito de interesse ou dúvida quanto à independência do árbitro na disputa.
No caso julgado, o médico buscava anular a sentença arbitral, alegando que um dos árbitros não revelou informações que poderiam indicar parcialidade. Uma das teses era a de que imprecisões ou omissões no momento da revelação levariam à automática anulação da sentença. A parte somente levantou o argumento de falha na revelação quando perdeu a causa. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, rejeitou o argumento de que a simples omissão do árbitro representaria necessariamente a falta de imparcialidade.
O voto destacou que a omissão só compromete a sentença se for relevante para demonstrar a parcialidade no julgamento e a quebra da independência. O ministro Marco Aurélio Bellizze frisou que a sentença arbitral somente poderia ser anulada com provas sólidas e irrefutáveis da parcialidade do árbitro. A falha no dever de revelação, isoladamente, não causaria anulação, porque não compromete a imparcialidade do árbitro para solução da disputa que lhe foi submetida.
O STJ está alinhado às Diretrizes da International Bar Association sobre Conflito de Interesses em Arbitragem Internacional, que enfatizam que a não divulgação de certos fatos não leva automaticamente à conclusão de que haja conflito de interesses ou que a desqualificação do árbitro é necessária. Essa visão é compartilhada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem e por diversas jurisdições. A decisão do STJ reforça a necessidade de comportamento ético e proativo das partes na investigação de possíveis impedimentos dos árbitros.
Na prática, incentiva que haja equilíbrio entre a revelação de fatos que podem concretamente representar dúvida quanto à imparcialidade e o escrutínio desproporcional de dados dos árbitros relativos a décadas de atuação, conhecido como "overdisclosure".
As avaliações subjetivas das partes não podem comprometer a segurança jurídica das arbitragens, sob risco de permitir que fatos irrelevantes sirvam de base para a parte perdedora impedir o cumprimento de uma sentença e tornar inefetivo o sistema de justiça. O STJ estabelece um marco evolutivo fundamental para a arbitragem, ao descartar o dever de revelação como um fim em si mesmo. A revelação é um mecanismo de controle da imparcialidade, mas a falha no seu cumprimento não elimina a necessidade de provar que o fato novo, de maneira objetiva, representa a quebra da independência.
É crítico que a parte perdedora em uma arbitragem se interesse por investigar a trajetória profissional de um árbitro apenas a partir da contagem dos 90 dias que a lei concede para se anular uma sentença. Nessas situações, parece nítido que o interesse investigativo da parte somente é despertado após a derrota. De outro lado, se o fato já era conhecido, a boa-fé não pode permitir que se tivesse guardado na manga esta carta para o caso de uma sentença desfavorável.
O Brasil não pode perder seu espaço de maior praça de arbitragem da América Latina com manobras de perdedores inconformados. A posição de vanguarda do Brasil na arbitragem deve ser preservada e a decisão recente do STJ contribui para fortalecer a segurança jurídica que as partes buscam quando elegem o procedimento.
*Paulo é advogado, doutor e mestre em direito pela PUC-SP. Mestre em direito pela London School of Economics. Professor doutor do Mestrado da Universidade de Santo Amaro (Unisa) e da pós-graduação da PUC-Rio e PUCCamp.