Por Túlio do Egito Coelho, Tiago Cardoso Vaitekunas Zapater e Maria Cristine Lindoso — A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) terá que decidir, até junho de 2025, se dívidas prescritas podem ser exigidas extrajudicialmente, inclusive com a inscrição do nome do devedor em plataformas de acordo ou de renegociação de débitos. Esse foi o tema afetado antes do recesso do STJ para julgamento no regime dos Recursos Repetitivos (Tema 1.264), sob a relatoria do Ministro João Otávio de Noronha. A partir de três recursos especiais que discutem, em síntese, a possibilidade de cobrança administrativa ou extrajudicial de dívidas cuja exigibilidade judicial esteja já prescrita, a 2ª Seção deverá agora pacificar a questão.
A discussão, ainda com pouca visibilidade, surgiu a partir de divergências instauradas nas Terceira e Quarta Turmas do tribunal sobre qual seria o alcance do instituto da prescrição: se ele seria limitado ao exercício judicial da pretensão ou se também atinge as vias extrajudiciais. A decisão, sem sombra de dúvida, pode trazer impactos muito relevantes para o mercado.
Argumentos contrários à possibilidade de cobrança extrajudicial de débitos cuja exigibilidade esteja prescrita sustentam-se em que o instituto da prescrição é amplo e atinge também o exercício da pretensão de cobrança para além do Judiciário, por exemplo, por meio de ligações e mensagens ou com a inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito. Esse entendimento já foi fixado, por exemplo, em Enunciados de Tribunais locais. Argumenta-se que, à luz do art. 189 do Código Civil, a extinção da pretensão, pela prescrição, não se limita ao exercício da ação judicial, mas também atinge outros meios de exercício da pretensão. Por sua vez, o devedor que paga uma dívida prescrita estaria realizando uma mera liberalidade em obrigação natural (ou seja, sem qualquer exigibilidade jurídica).
Essa posição está presente em precedentes consolidados da Terceira Turma do STJ e recentemente foi reafirmada em acórdão de relatoria da Ministra Nancy Andrighi. Segundo ela, "o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito".
Por outro lado, argumentos favoráveis à cobrança de débitos cuja exigibilidade esteja prescrita sustentam que o instituto da prescrição alcança somente a pretensão de exigir judicialmente a obrigação, sendo um direito de ação da parte, e não o direito à própria obrigação (direito subjetivo). Por isso, a prescrição não poderia interferir na cobrança administrativa e extrajudicial de um débito.
É nesse sentido que vem se firmando a orientação da Quarta Turma do STJ, reafirmada recentemente por acórdão relatado pelo Ministro Antônio Carlos Ferreira, no qual se decidiu que, "na esfera civil a prescrição nem sequer implica extinção da obrigação - não constitui, efetivamente, qualquer das hipóteses previstas no Título I, Livro I, da Parte Especial do CC/2002 (arts.304 e ss.). Somente a pretensão é fulminada (CC/2002, art. 189), subsistindo a obrigação".
Os Tribunais Estaduais também não têm entendimento uníssono sobre a matéria. Há divergências, por exemplo, entre órgãos fracionários do Tribunal de Justiça de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Rio Grande do Norte, do Amazonas e de Minas Gerais.
No bojo dessa discussão, a 2ª Seção deverá decidir, ainda, se plataformas de negociação — como a Serasa, por exemplo — constituem ou não métodos indiretos de cobrança do consumidor, a fim de avaliar se elas poderiam ser utilizadas em relação a dívidas cuja exigibilidade esteja prescrita. Uma das questões é saber, por exemplo, se essas plataformas impactam o direito ao crédito (credit score) ou se apenas aproximam credores e devedores para uma composição, sem caráter coercitivo.
Diversos são os acórdãos no sentido de que tais plataformas são simples intermediadoras de negociações, porque não fazem análise ou risco de crédito; prestam-se à negociação de dívidas; e administram, de forma sigilosa, as informações que estão ali inseridas, de modo que o cadastro das dívidas só fica disponível para os consumidores e devedores que estão em negociação. Contudo, são vários os casos que têm chegado ao STJ argumentando que a inscrição das dívidas prescritas nessas plataformas configura meio indireto de cobrança. Além disso, pouco se sabe se as informações inseridas nessas plataformas não acabam sendo utilizadas na formação do risco de crédito.
A afetação da discussão para julgamento pelo rito dos repetitivos já suspendeu o trâmite de todos os processos judiciais sobre o tema, e tudo indica que haverá debates relevantes no julgamento. Os impactos que o julgamento pode ter também são expressivos, especialmente pelo seu efeito vinculante, e podem impactar diversos setores além do mercado financeiro, que recorrem aos métodos extrajudiciais de cobrança para tentar reaver valores que não foram judicializados a tempo.
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Os Recursos Especiais afetados não contam ainda com a participação de nenhum amici curiae, tampouco foi determinada a realização de audiências públicas ou consultas mais amplas sobre a matéria. Entendemos, contudo, que é da maior importância que se garanta a manifestação de instituições e associações que representem os interesses relevantes do mercado, da indústria e dos consumidores.
Os meios extrajudiciais para cobrança de dívidas têm sido fundamentais não só para o mercado de crédito no Brasil, como também para a gestão do próprio Judiciário. Em tempos de automação, não é por inércia do credor, mas por uma escolha de custo-benefício que boa parte das dívidas não é exigida em juízo, e sim por meio dos mecanismos extrajudiciais disponíveis. Caso o STJ acolha a interpretação de que a prescrição também interdita a cobrança extrajudicial, a tendência é que muitos desses casos desaguem no Judiciário.
*Os autores são sócios e associados da área de Tribunais Superiores do Trench Rossi Watanabe
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