Direito Penal

STJ estabelece que confissão não vale como prova única para condenação

O entendimento principal é de que são necessários outros elementos de prova para firmar a convicção da culpa do réu

PRI-3103-entrelinhas -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-3103-entrelinhas - (crédito: Maurenilson Freire)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma confissão não é suficiente para condenação. A tese foi definida pela 3ª Seção — que une as duas turmas criminais — da Corte que forma a jurisprudência do país. Os ministros fixaram três teses sobre confissões extrajudiciais, ocorridas, muitas vezes, no momento da prisão ou na delegacia de polícia. O entendimento principal é de que são necessários outros elementos de prova para firmar a convicção da culpa do réu.

As teses foram firmadas como forma de evitar que cidadãos sejam obrigadas a dar uma versão que confirme a convicção da autoridade policial. Muitas vezes, esses depoimentos são prestados em meio à tortura ou forte pressão, acreditam os magistrados. Uma das teses define que essas confissões são válidas apenas se feitas em locais oficiais públicos e documentadas. Se não for dessa forma, são inadmissíveis para efeito de prova judicial. A segunda tese é de que esse tipo de confissão, que ocorre no momento da prisão, pode orientar uma investigação, mas não é válida isoladamente.

A terceira tese aponta que são necessárias novas provas que confirmem a versão, segundo o que está previsto no artigo 197 do Código de Processo Penal: "O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância".

Segundo a jurisprudência definida, a confissão extrajudicial sem esses critérios é nula mesmo que o Ministério Público tente introduzi-la no processo por outros meios no processo, como, por exemplo, pelo testemunho do policial que a colheu. Segundo o acórdão, a confissão extrajudicial é obtida no momento de maior risco de ocorrência da tortura para produção de prova, pois o investigado está inteiramente nas mãos da polícia, sem que exista atualmente nenhum mecanismo de controle efetivo para preveni-la. 

As teses foram estabelecidas em um processo em que o Ministério Público de Minas Gerais denunciou um homem pelo furto de uma bicicleta enquanto a vítima fazia compras em um supermercado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou o réu a um ano e quatro meses de reclusão. Mas a defesa recorreu ao STJ com o argumento de que a condenação foi fundamentada em uma confissão extrajudicial obtida sob tortura.

Houve uma sequência de falhas no inquérito. O bem furtado — a bicicleta — não foi encontrado com o réu, e um vídeo de câmera de segurança que registrava o momento do crime não foi juntado ao inquérito ou ao processo por suposta inércia da polícia, perdendo-se ao final.

Ao analisar o caso, o relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, sustentou que quando o preso tem conhecimento de seus direitos fica mais difícil para um policial mal-intencionado torturá-lo para obter informações. "Sem salvaguardas e enquanto o Brasil for tão profundamente marcado pela violência policial, sempre permanecerá uma indefinição sobre a voluntariedade da confissão extrajudicial", disse o ministro. 

As frequentes denúncias de violência policial são o fundamento da jurisprudência. O ministro ressaltou que é incorreto atribuir um valor probatório incontestável à confissão, porque esse meio de investigação está frequentemente no centro de condenações injustas. Assim, segundo o magistrado, é necessário dar peso real à confissão para reduzir o risco de condenações de inocentes que tenham confessado sob coação.

No acórdão, o STJ registrou que diversos estudos independentes, nacionais e internacionais, demonstram que a prática da tortura ainda é comum no Brasil e que o tema nem sempre recebe a devida consideração por parte das autoridades estatais. O ministro Ribeiro Dantas sustentou que o fenômenos das falsas confissões é amplamente documentado na literatura internacional e comprovado por levantamentos estatísticos. "Cito, por todos, dados do Innocence Project (de 375 réus inocentados por exame de DNA de 1989 a 2022, 29% tinham confessado os crimes que lhes foram imputados) e do National Registry of Exonerations (no mesmo período, de 3.060 condenações revertidas, 365 tinham réus confessos) dos EUA", ressaltou.

Ainda de acordo com o acórdão, pessoas inocentes confessam crimes que não cometeram por diversos motivos, como vulnerabilidades etárias, mentais e socioeconômicas ao uso de técnicas de interrogatório pouco confiáveis por parte da polícia. A decisão de absolver o réu foi unânime e fixou as teses sobre confissões. 

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postado em 29/08/2024 06:00 / atualizado em 29/08/2024 00:00
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