Visão do direito

Lei Maria da Penha:18 anos de muita luta

Nessas quase duas décadas da vigência da Lei Maria da Penha, houve um aperfeiçoamento da legislação brasileira, com várias modificações legislativas e várias decisões importantes dos Tribunais Superiores

Eneida Orbage de Britto Taquary é professora do curso de direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB) e membro do Observatório das Múltiplas Violências Praticadas contra a Mulher da OAB/DF -  (crédito: Divulgação)
Eneida Orbage de Britto Taquary é professora do curso de direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB) e membro do Observatório das Múltiplas Violências Praticadas contra a Mulher da OAB/DF - (crédito: Divulgação)

Por Eneida Orbage de Britto Taquary — Os crimes contra a mulher praticados no cenário de violência doméstica somente foram classificados na legislação nacional, após o caso denominado Maria da Penha Maia Fernandes, que tramitou na esfera internacional contra o Estado Brasileiro, perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Pode-se observar que a Lei Maria da Penha foi elaborada sob a pressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e não como uma decisão interna do governo brasileiro. Entretanto, em que pese a gênese da referida legislação, ela tem se mostrado eficiente para evidenciar a desigualdade de gênero e as múltiplas violências que durante décadas ocorreram e que ainda ocorrem.

Nessas quase duas décadas da vigência da Lei Maria da Penha, houve um aperfeiçoamento da legislação brasileira, com várias modificações legislativas e várias decisões importantes dos Tribunais Superiores, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Todavia, a desigualdade e a discriminação continuam sendo a tônica da sociedade brasileira, em face dos altos índices de feminicídio e outras violências contra a mulher.

As mudanças legislativas evidenciam uma preocupação com a proteção da mulher, podendo-se mencionar:

1) os crimes de lesão corporal simples dolosa ou culposa: ação penal pública incondicionada (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424/DF), e a Súmula 542 do STJ;

2) o crime de feminicídio: a tipificação se deu por intermédio da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, na forma qualificada do homicídio, desde que contra a mulher por razões da condição de sexo feminino ou discriminação;

3) o aumento de pena no feminicídio: a tipificação da circunstância denominada causa especial de aumento de pena por intermédio da Lei 13.104/2015;

4) a nova definição de violência psicológica, art. 7º da Lei 11340/2006, em razão a Lei 13.772/2018;

5) a obrigação de ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços. (art. 9º. § 4º da Lei 11340/2006);

6) a alteração da ação nos crimes sexuais para pública incondicionada para todos os crimes sexuais, previstos no Título VI; inserção do capítulo denominado "Da Exposição da Intimidade Sexual", incluindo o crime de importunação sexual, que deixou de ser contravenção penal; divulgação de cena de estupro, estupro de vulnerável, de sexo, nudez ou pornográfica, e criou as figuras delitivas de estupro coletivo e corretivo, por meio da Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018;

7) a tipificação do crime de violência psicológica contra a mulher. Incluído pela lei 14.188/2021, no art. 147-B;

8) a classificação do crime de stalking a perseguição, incluída pela Lei 14.132/2021, aumentando a pena em metade se for contra mulher por razões da condição de sexo feminino;

9) a introdução na legislação penal e processual penal da proibição de prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e o estabelecimento de causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo, por meio da Lei 14.245, de 22 de novembro de 2021, denominada Lei Mariana Ferrer;

10) a inclusão de intimidação sistemática (bullying), em 12 de fevereiro de 2024: (ridicularizar a mulher pelo seu cabelo, seu corpo, sua origem, alguma deficiência física ou mental, sua religiosidade) e ainda a intimidação sistemática virtual (cyberbullying);

11) a inaplicabilidade da suspensão do processo e transação penal nas infrações penais com violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme dispõe o art. 41. O STJ entendeu que os referidos institutos (suspensão condicional do processo e a transação penal) não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha, na edição da Súmula 536;

12) a inaplicabilidade do princípio da insignificância nas infrações penais de violência doméstica e familiar contra a mulher conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Súmula 589 do STJ, bem como no art. 41 da lei 11340/2006 (Lei Maria da Penha);

13) a inaplicabilidade do uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres. Decisão do STF, por unanimidade, na Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, em 1° de agosto de 2023;

14) a prisão preventiva nos casos em que o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, que está prevista desde a Lei 12.403 de 2011.

*Eneida é professora do curso de direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB) e membro do Observatório das Múltiplas Violências Praticadas contra a Mulher da OAB/DF

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postado em 29/08/2024 03:00
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