Entrevista — Thaís Riedel / advogada, cientista política e professora

Thaís Riedel: 'OAB tem a função de defender o Estado Democrático de Direito'

Thaís Riedel, candidata à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no DF, também critica a baixa participação de mulheres na presidência das seccionais

Advogada Thaís Riedel, especialista em direito previdenciário -  (crédito: Edgar Marra/Divulgação)
Advogada Thaís Riedel, especialista em direito previdenciário - (crédito: Edgar Marra/Divulgação)

Candidata à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no DF, na última eleição, a advogada Thaís Riedel critica a baixa participação de mulheres na presidência das seccionais. Atualmente são apenas cinco — em Santa Catarina, Bahia, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná — e nenhuma delas, segundo Thaís Riedel ressalta, é negra. Mesmo assim, a advogada e professora, especialista em direito previdenciário, preferiu não liderar uma chapa neste ano e busca outras formas de participação. Thaís conta que sofreu ataques de toda natureza, com viés machista, e avalia que foram sofrimentos que um homem não enfrentaria. Ponderada, porém firme em suas posições, Thaís Riedel defende o devido processo legal e concorda com o pedido de explicações da OAB Nacional ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a condução de processos envolvendo bolsonaristas. "É função da OAB defender o Estado Democrático de Direito e a boa aplicação das leis, segundo o art. 44 do Estatuto da OAB, além de ser a legítima representante dos interesses dos advogados", afirma. 

Na sua visão como advogada e professora, avalia que o ministro Alexandre de Moraes cometeu algum desvio de conduta ao misturar funções do STF e do TSE?

Não tive acesso aos autos e não posso, portanto, me manifestar sobre o caso concreto. É importante destacar que o ministro Alexandre de Moraes teve que desempenhar um papel importante à frente do TSE e do STF em um momento em que o país sofria agudo conflito social. Entendo que há áreas em que ainda precisamos avançar para trazer novos paradigmas, que sejam adequados ao momento social que vivemos.O inquérito policial, por exemplo, é um instrumento que vem sendo debatido em âmbito acadêmico e no Legislativo, espaços adequados para essa discussão. Os princípios fundamentais deste instituto, que por suas características é pré-processual e inquisitorial, ou seja, não tem partes e, portanto não tem defesa, precisam ser respeitados e observados com cuidado, para que haja o devido processo legal, que é a barreira intransponível do nosso processo civilizatório, seja respeitado. Garantir a separação entre o acusador, vítima, defesa e julgador é indispensável.

Acha que a OAB Nacional agiu corretamente ao pedir esclarecimentos ao ministro Alexandre de Moraes?

Sem dúvida. É função da OAB defender o Estado Democrático de Direito e a boa aplicação das leis, segundo o art. 44 do Estatuto da OAB, além de ser a legítima representante dos interesses dos advogados. A lisura do processo inquisitorial é fundamental e indispensável, tanto para a manutenção do Estado Democrático de Direito quanto para o pleno exercício do trabalho da advocacia. Já há súmula do próprio STF, a 14, que garante acesso ao processo inquisitorial pelo advogado. Tenho certeza de que temos maturidade institucional, no Judiciário brasileiro, o suficiente para entender que estamos cumprindo, todos, nossas funções legalmente previstas.

Na sua visão, há um excesso de poder do STF?

Os poderes do STF estão constitucionalmente previstos. A Corte tem os poderes que o constituinte determinou. Nas sombras e nas lacunas legais devem ser observados os princípios constitucionais, dentre os quais segurança jurídica e dignidade da pessoa humana. E há pequenas divergências que entendo estão sendo tratadas e precisam ser mais bem discutidas com a sociedade, em geral. Por exemplo, o Regimento Interno do STF está enquadrado como uma norma infraconstitucional e trazer ao debate o que isso significa é muito relevante. Ele não está acima de uma determinação legal, como no caso da autorização das manifestações orais dos advogados em agravos, nem acima do Estatuto da OAB, nem do Código Penal e nem da própria Constituição. Acho que é um momento propício para esse debate e para uma grande concertação nacional.

Faltam mulheres nos comandos das seccionais da OAB?

Sem dúvida. Já somos, há alguns anos, mais de 50% das inscritas e dos inscritos na Ordem. Em quase todos os estados somos a maioria e só temos cinco mulheres presidente de seccionais. E é importante nomeá-las, são as doutoras Cláudia da Silva Prudêncio, em SC, Daniela Borges, na BA, Gisela Cardoso, no MS, Maria Patrícia Vanzolini, em SP e a Marilena Indira Winter, no PR. Nenhuma delas é negra. Mas é importante dizer que temos observado avanços. Nas últimas eleições já conseguimos que 50% das chapas que concorrem às eleições da OAB sejam mulheres e 30% de pessoas negras. O resultado, ainda tímido, já foi observado com eleição das cinco colegas, algumas outras candidaturas femininas chegaram em condições de disputa. É um avanço, mas precisamos de mais, sem dúvida.

No DF, apenas uma mulher — por um mandato — presidiu a OAB. Nesta eleição, haverá pelo que se desenha uma disputa masculina. Por que você desistiu de concorrer?

Primeiro eu preciso dizer que tenho muito orgulho da trajetória daquela campanha (2021). Foi uma jornada coletiva e linda. Era um momento complicado do país e do mundo, estávamos no meio de uma pandemia e, mesmo assim, eu consegui, com segurança, percorrer todas as seccionais, conhecer muita gente e agregar valores que para mim, são inegociáveis, como parceria, inclusão e lealdade. Segundo, que ninguém é candidato de si mesmo. Eu integro um grupo, que tem uma visão do papel da advocacia como um instrumento de transformação, tanto da vida dos advogados como da sociedade, e que para isso é preciso uma advocacia mais plural e mais diversas. E eu, nestes três anos, percebi que não preciso estar à frente da seccional para trabalhar por isso. Que estar no Conselho Federal da Ordem, por exemplo, me dá a possibilidade de contribuir com os temas afetos à advocacia em âmbito nacional e com mais assertividade em temáticas relevantes. E é preciso dizer que foi uma campanha linda de nossa parte, mas também, que foi uma campanha extremamente violenta, com afrontas pessoais, invasão da minha vida privada, o que jamais aconteceria se fosse um candidato homem. É preciso que o respeito e a disputa de ideias seja o foco de qualquer candidatura. É indispensável que a sociedade não aceite mais esse tipo de comportamento.

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postado em 22/08/2024 05:00 / atualizado em 22/08/2024 00:00
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