Entrevista — Márcio Chaves

Especialista avalia seis anos da LGPD e os desafios para o futuro

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) completou seis anos, com necessidade de alguns avanços no olhar dos cidadãos

Márcio Chaves, sócio do escritório Almeida Advogados; Especialista em Direito Digital e 
Propriedade Intelectual e Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD -  (crédito: Divulgação)
Márcio Chaves, sócio do escritório Almeida Advogados; Especialista em Direito Digital e Propriedade Intelectual e Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD - (crédito: Divulgação)

Promulgada com o propósito de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indíviduo, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) completou ontem seis anos, com necessidade de alguns avanços no olhar dos cidadãos.

Para o advogado Márcio Chaves, especialista em direito digital, propriedade intelectual e proteção de dados pessoais, autor de vários livros, a edição da lei mudou a mentalidade nas empresas entre "é bom fazer" para o "precisa fazer" devido à obrigação legal de preservar a intimidade das pessoas. Mas muitos cidadãos ainda não se dão conta da importância da preservação dos dados pessoais.

Chaves avalia que esse comportamento é natural. "Basta ver como foi o tempo de adaptação para os consumidores brasileiros quanto ao Código de Defesa do Consumidor, que em seus mais de 30 anos levou bastante tempo para realmente entrar na cultura brasileira. Além do desconhecimento de tudo que pode ser feito com seus dados, inclusive todos que podem ser considerados dados pessoais, as pessoas ainda se preocupam apenas com o CPF na farmácia", afirma. 

Segundo o especialista, essa consciência precisa crescer, principalmente em tempos de IA (Inteligência Artificial), e de milhões de golpes aplicados na praça com uso de dados pessoais e de parentes, além de condutas discriminatórias e chantagens com ameaças de divulgar informações vazadas. 

Qual a sua avaliação sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais?

Minha avaliação é positiva, pois é uma legislação que, por mais defeitos que tenha, tenta seguir padrões legislativos modernos de proteção da privacidade, essenciais diante principalmente da digitalização e do armazenamento quase que eterno possibilitado pela popularização das tecnologias digitais. E, principalmente por estarmos em uma sociedade de enorme exposição pessoal nas redes sociais e nos dispositivos conectados à internet, a proteção da privacidade da LGPD vai muito além da segurança da informação na proteção dos dados pessoais. Ela reconhece a violação da privacidade quando há o uso indevido do dado pessoal, pois não é só porque conseguimos acessá-lo que temos direito de usá-lo para outros fins, e o prejuízo pode vir até mesmo com a indisponibilidade do dado pessoal, não apenas em seu vazamento.

Qual foi o principal impacto desde que entrou em vigor?

A mudança da mentalidade do "bom fazer" para o "precisa fazer" nas empresas, pois com a obrigação legal e sua fiscalização passa a ser quantificável o risco, que antes da LGPD sempre tendia a ser adiado em termos de investimentos até por necessidades de sobrevivência empresarial no país. Aos poucos o tema vai deixando de ficar no "custo Brasil" e passando a ser visto como investimento na melhoria dos processos internos e na segurança da empresa, principalmente por aquelas que querem fazer a coisa certa.

É difícil fiscalizar a aplicação?

Sem dúvida. Em primeiro lugar pela falta de estrutura, tanto organizacional quanto financeira da ANPD que precisa agir em um país com dimensões continentais como o Brasil que é quase meia Europa em termos de população, sendo que lá há mais de 30 autoridades fazendo este papel. E em segundo lugar pela grande lacuna entre o que é exigido pela nossa legislação, que segue os padrões globais de proteção de dados da própria União Europeia, e o que temos de cultura de proteção de dados pessoais, pois lá já existia a Diretiva 46 de 1995, décadas antes do atual regulamento europeu em vigor desde 2018.

As pessoas valorizam a lei? Sabem da importância de se proteger os dados?

Ainda muito pouco. Basta ver como foi o tempo de adaptação para os consumidores brasileiros quanto ao Código de Defesa do Consumidor, que em seus mais de 30 anos levou bastante tempo para realmente entrar na cultura brasileira. Além do desconhecimento de tudo que pode ser feito com seus dados, inclusive todos que podem ser considerados dados pessoais, as pessoas ainda se preocupam apenas com o CPF na farmácia.

Quais são, na sua avaliação, as principais consequências da exposição de dados pessoais?

A utilização em fraudes é a consequência que mais vemos hoje em dia, sendo fácil perceber isso quando os dados de contato e parentesco vazados são utilizados para aplicar o famoso golpe do WhatsApp impostor. Mas outras que são menos visíveis são as condutas discriminatórias e as chantagens com as ameaças de divulgar informações vazadas.

Como conciliar o princípio da publicidade ao da proteção de dados?

Com bom senso e aplicação das próprias medidas técnicas e administrativas previstas na LGPD. Nem tudo precisa estar acessível em uma simples busca pelo Google para garantir a transparência exigida pela legislação, podendo e devendo haver mecanismos de identificação e auditoria para permitir rastrear e punir aqueles que usarem indevidamente as informações obtidas em cumprimento às obrigações de publicidade.

Acha que a proteção de dados é um desafio em tempos de inteligência artificial?

Sem sombra de dúvidas, inclusive temos diversos casos de exposição de dados pessoais que passam a ser usados no treinamento das ferramentas de IA, de discriminação pelo viés tendencioso resultante da alimentação de bases utilizadas pelas ferramentas de IA com determinados tipos de dados pessoais, e até de "alucinações" que criam fatos inexistentes vinculando-os a pessoas reais. Esses são exemplos reais, públicos e recentes que surgiram em virtude da popularização das tecnologias de IA.

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postado em 15/08/2024 06:00
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