Análise

Visão do direito: Reforma tributária e ajuste fiscal

Estamos deixando para trás um sistema complexo e absolutamente ultrapassado, concebido para uma economia analógica dos anos 1950 e que não dialoga mais com a economia digital do século XXI

Eduardo Maneira é professor titular de Direito Tributário da UFRJ. -  (crédito:  Divulgação)
Eduardo Maneira é professor titular de Direito Tributário da UFRJ. - (crédito: Divulgação)

Por Eduardo Maneira* — Com a promulgação da EC 132/2023, a reforma tributária do consumo é uma realidade que deve e merece ser comemorada, sem perder de vista os inúmeros desafios que ainda enfrentaremos até sua efetiva implementação. A regulamentação e o longo período de transição exigirão dedicação, muito diálogo e consensos entre os poderes Executivo, Legislativo e os contribuintes.

Os críticos da reforma tributária dizem, dentre outras coisas, que teremos o maior IVA do mundo, com alíquota de 26,5%. Não há novidades nisso porque já temos a maior tributação do consumo do mundo: IPI (não-cumulativo), ICMS (não-cumulativo e monofásico), ISS (cumulativo), PIS e COFINS (cumulativo e não-cumulativo) com regras de não-cumulatividades distintas — quando somadas todas as incidências, podem ultrapassar com folga a alíquota do nosso IVA dual, qual seja, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

O importante é que estamos deixando para trás um sistema complexo e absolutamente ultrapassado, concebido para uma economia analógica dos anos 1950 e que não dialoga mais com a economia digital do século XXI. Com a reforma, estamos aproximando o nosso modelo de tributação do consumo com o de praticamente todos os países do mundo ocidental.

Em 2016, a Índia introduziu um IVA-Dual semelhante ao nosso. Após a sua implementação, foram observados impactos sociais e econômicos muito positivos, sendo possível afirmar que o crescimento subsequente do seu PIB foi um reflexo da implementação do IVA dual. Foi ainda observada a redução de custos de administração e de compliance; redução da sobreposição de incidências e a redução de benefícios fiscais.

Oportuno destacar que paralelamente à força-tarefa em torno da reforma tributária (agora em fase de regulamentação) a pauta do governo e do Congresso tem de cuidar de outra questão de extrema urgência para o Brasil: a necessidade de se promover um ajuste fiscal das contas públicas.

O governo federal, pressionado por tais circunstâncias, tem adotado medidas para elevação da carga tributária no curto prazo, gerando mal-estar e reações negativas do mercado, com por exemplo: a) a MP 1.227/2024, que criou diversas restrições à fruição de benefícios fiscais de tributos federais e às compensações, levando o presidente do Senado a devolver a referida MP; b) a tentativa de reoneração da folha de salários com a MP 1202/2023, seguida da propositura da ADI 7.633/DF, buscando a inconstitucionalidade da Lei 14.783/2023, tendo o STF suspendido a eficácia da referida lei por 60 dias para que seja promovido um acordo em torno da matéria; c) restrições ao pagamento de JCP pela Lei 14.783/23; d) mudanças nas regras de subvenções para investimento por meio da Lei 14.789/23.

Os episódios recentes de alterações da legislação tributária criaram incerteza no ambiente econômico e custos significativos às empresas brasileiras. A reforma tributária é determinante para o desenvolvimento do País no longo prazo, pois, como demonstra a experiência indiana, a implementação de um sistema de não-cumulatividade plena, menos custoso e mais justo, reflete diretamente no PIB nacional.

Oxalá as medidas arrecadatórias de curto prazo geradoras de insegurança jurídica não possam comprometer os efeitos positivos da total implementação da reforma tributária, que tornará o Brasil mais competitivo para a atração de investimentos estrangeiros.

*Eduardo é sócio de Maneira Advogados, professor titular de direito tributário da UFRJ; diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro.

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postado em 01/08/2024 04:00
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