Visão do direito

Regulação das big techs: incertezas e insegurança jurídica

O ideal seria uma definição mais clara, evitando interpretações divergentes e viabilizando um quadro de segurança jurídica e de concreta tangibilidade à nova legislação

 2024. Eixo Capital. Daniel Becker é sócio das áreas de Resolução de Disputas e de Proteção de Dados e Regulatório de Novas Tecnologias no BBL - Becker Bruzzi Lameirão Advogados, diretor de Novas Tecnologias no Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) -  (crédito:  Divulgacao)
2024. Eixo Capital. Daniel Becker é sócio das áreas de Resolução de Disputas e de Proteção de Dados e Regulatório de Novas Tecnologias no BBL - Becker Bruzzi Lameirão Advogados, diretor de Novas Tecnologias no Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) - (crédito: Divulgacao)

Por Daniel Becker* —O senador Angelo Coronel apresentou em julho projeto de lei que, por meio de alterações em legislações pilares nacionais, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, objetiva, principalmente, dispor sobre a regulação e a fiscalização dos provedores de aplicações de internet. O texto, apesar de recentíssimo e ainda pendente de debates no Senado, já levanta preocupações sobre seu impacto prático na internet, em seus players e no mercado de tecnologia e inovação.

Importante criticar, de pronto, a definição adotada para parametrizar o que seria um "provedor de aplicação de internet", diante da escolha de uma conceituação de natureza ampla que, inegavelmente, pode gerar incertezas sobre quais empresas seriam enquadradas nessa categoria e, consequentemente, estariam sujeitas à regulação. O ideal seria uma definição mais clara, evitando interpretações divergentes e viabilizando um quadro de segurança jurídica e de concreta tangibilidade à nova legislação.

Ademais, a falta de mecanismos de participação social na elaboração e implementação da regulação também é um ponto fraco. Consultas e audiências públicas são fundamentais para garantir que as vozes de todas as partes interessadas sejam ouvidas, promovendo uma regulação mais legítima e, principalmente, que consiga se amoldar ao dinâmico setor de tecnologia.

Passando do PL em si aos seus impactos práticos, deve-se abordar um dos traços mais delicados do texto: a sugestão de tributação das plataformas digitais, cuja receita operacional seja igual ou superior a R$ 50 milhões. O PL propõe que essas empresas contribuam para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações — FUST, em valores equivalentes a 5% de sua receita, a fim de promover uma justa compensação pelo uso intensivo da infraestrutura de telecomunicações. Contudo, a taxação proposta, mesmo com a isenção para empresas com receita inferior a R$ 50 milhões, pode representar um custo adicional significativo para empresas em crescimento, impactando sua capacidade de investimento.

Além disso, a complexidade da regulamentação e os custos de compliance podem ser desproporcionalmente maiores para empresas menores, criando uma barreira de entrada para novos competidores e propiciando uma concentração de mercado que não favorece o mercado nacional, muito menos o posicionamento internacional do país como solo atrativo para novas tecnologias e plataformas. No papel, a taxação viabilizaria a expansão da internet para áreas rurais do país, mas, na vida real, pode ser que a proposta não alcance os resultados esperados. Especialmente porque a efetividade da medida depende, principalmente, de uma gestão eficiente do FUST e da priorização de investimentos nas áreas mais necessitadas.

Além disso, o PL tem o poder de desestabilizar o mercado e, por isso, de deflagrar o movimento contrário. É que a regulamentação das big techs pode gerar incertezas sobre as regras do jogo, os custos de compliance e a possibilidade de novas obrigações e restrições. Essas incertezas podem desestimular investimentos no setor de telecomunicações, tanto por parte das grandes empresas, como de provedores regionais e locais, fundamentais para a expansão da internet em áreas rurais.

Finalmente, deve-se dizer que a proposta de colocar a ANPD e a Anatel como corresponsáveis pela regulação dos provedores de aplicações de internet levanta sérias preocupações. A ANPD, com foco na proteção de dados, e a Anatel, voltada para o setor de telecomunicações, possuem expertises distintas e áreas de atuação que podem se sobrepor, gerando insegurança jurídica e potencializando conflitos regulatórios.

Essa divisão de responsabilidades pode resultar em uma regulação fragmentada e ineficiente, com risco de decisões conflitantes e sobreposição de competências. A concentração de poder em dois órgãos também lança luz sobre um potencial aumento de custos e excesso de burocracia — que prejudica a inovação e o desenvolvimento do setor, favorecendo as grandes empresas que possuem mais recursos para lidar com a complexidade regulatória. A criação de um órgão regulador específico para o setor, com expertise multidisciplinar, ou, melhor, a divisão das responsabilidades regulatórias entre diferentes órgãos com competências complementares é uma alternativa mais eficiente e equilibrada.

*Daniel é sócio das áreas de resolução de disputas e de proteção de dados e regulatório de novas tecnologias no BBL — Becker Bruzzi Lameirão Advogados, diretor de novas tecnologias no Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).


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postado em 01/08/2024 04:00
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