Por Ana Paula De Raeffray* e Franco Mauro Russo Brugioni* — O que antes era apenas uma possibilidade de exigência fiscal vem se concretizando, haja vista que inúmeras empresas têm sido alvo de cobranças por parte da Receita Federal do Brasil da contribuição adicional ao Risco Ambiental do Trabalho — RAT (6%, 9% ou 12%) para custeio de aposentadorias especiais, inclusive, de forma retroativa aos últimos cinco anos, em razão da Tese 555 fixada pelo Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário com repercussão geral (ARE 664.335).
Discutia-se no citado recurso a possibilidade, ou não, de o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI), informado no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), descaracterizar o tempo de serviço especial para fins de concessão de aposentadoria especial.
O STF decidiu o caso e fixou tese de repercussão geral com dois-pontos. No primeiro, o STF determinou que, se o EPI for efetivamente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá suporte constitucional para a aposentadoria especial. No segundo, estabeleceu que, mesmo havendo declaração do empregador sobre a eficácia do EPI, se o trabalhador estiver exposto a ruído acima dos limites legais de tolerância, permanecerá hígido o seu direito ao cômputo do tempo de serviço especial para aposentadoria.
Sob o argumento de estar embasada nessa decisão do STF, a Receita Federal vem lavrando autos de infração para cobrar retroativamente a contribuição adicional destinada a financiar a aposentadoria especial. Essas cobranças se intensificaram com a publicação do Ato Declaratório Interpretativo nº 2/2019 da RFB, que determina ser devida a contribuição adicional para o financiamento da aposentadoria especial ainda que sejam adotadas medidas de proteção que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador ao agente insalubre a níveis legais de tolerância.
No entanto, essa interpretação do ato declaratório e, por conseguinte, a cobrança da contribuição, contrariam a lógica imposta pelo STF, pois implicam obrigação de pagamento da contribuição adicional mesmo nos casos em que não estejam presentes hipóteses legais de sua incidência. Relembre-se de que a primeira tese firmada pelo STF é no sentido de que se o EPI for eficaz, não há que se falar em aposentadoria especial.
Na verdade, o fato gerador da contribuição adicional é complexo e se concretiza pela efetiva exposição do trabalhador a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, pelo tempo previsto em lei. Já a concessão da aposentadoria especial decorre de uma relação jurídica distinta, entre trabalhador segurado e o INSS, que depende de prova, por vezes, inclusive, pericial. Portanto, não se pode inferir a existência do fato gerador tão somente pela concessão do benefício previdenciário, pois a concessão do benefício previdenciário não é e nunca foi a hipótese de incidência da exação.
O desalinhamento entre a decisão do STF e a atuação fiscalizatória da Receita Federal expõe as empresas a situação de permanente insegurança jurídica com fortes impactos econômicos, razão pela qual é preciso que as próprias empresas defendam a correta interpretação da decisão do STF, utilizando-se de argumentos jurídicos que propiciem o afastamento de exação fiscal que está sendo criada pela RFB por mero ato declaratório, alimentando a voracidade arrecadatória.
*Ana Paula De Raeffray é advogada, doutora em direito pela PUC-SP e sócia do escritório Raeffray Brugioni Advogados
*Franco Mauro Russo Brugioni é advogado, sócio do escritório Raeffray Brugioni. Vice-presidente da Terceira Turma Disciplinar do Tribunal de Ética Disciplinar da OAB, secção São Paulo