Por Pedro Paulo de Medeiros — Nas últimas décadas, percebeu-se que grandes grupos estão sendo formados em todo o mundo para cometer crimes; tráfico de drogas, armas e seres humanos e abuso de normas sociais em muitas sociedades e países diferentes, desenvolvidos ou não.
Essa luta contra os principais grupos criminosos ensina que não basta simplesmente prevenir o comportamento criminoso por meio de medidas de inspeção e controle ou de pressão direta para prender alguns criminosos; vê-se que é preciso acompanhar os lucros exorbitantes que esses grupos obtêm, como é o caso dos bens (lucros) obtidos com atividades criminosas que mantêm esse grupo ativo e continuamente envolvido. Os órgãos públicos são responsáveis por fiscalizar, combater e punir os criminosos.
A partir dessa admissão, o produto do crime também começa a ser rastreado, de modo que, eventualmente, a prática do crime não será mais economicamente lucrativa. E como medida defensiva, por parte das gangues contra esse ataque das autoridades aos lucros obtidos em processos criminais, começaram a encontrar formas de tentar esconder esses bens, dificultando a localização e a detenção pelas autoridades.
Essa manobra de tentar proteger esses valores fruto de crime tornou-se um grave problema para a sociedade, ao ponto de ter se tornado uma conduta altamente reprovável em vários países, que passaram a criminalizá-la, dando-lhe tratamento criminal com altas penas e nominando-a de lavagem de dinheiro.
O crime de lavagem de dinheiro, conforme definido na Lei brasileira 9.613/98, caracteriza-se pela prática de atos destinados a ocultar ou dissimular a origem, localização, estado, movimentação ou propriedade de bens, direitos e valores bens, direitos e valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Portanto, não basta punir o delito cometido, seja ele crime ou seja contravenção. A vivência no combate à macrocriminalidade demonstra que é preciso retirar do alcance do criminoso o produto obtido com aquela infração penal, seja para evitar que esses ativos financeiros propiciem a preparação de outros ilícitos penais, seja para evitar que se passe a impressão de que o cometimento de algum crime ou contravenção compensa financeiramente.
Há uma confusão, às vezes por mera ignorância, por vezes por má-fé, entre o mero uso do produto de uma infração penal com a verdadeira lavagem, que seria a tentativa inequívoca de esconder a origem criminosa desse ativo, escondê-lo por algum período e, posteriormente, tentar retorná-lo à luz e utilizá-lo como se fosse ativo com origem lícita.
Por exemplo, se uma pessoa assalta um banco e utiliza o produto do roubo para comprar uma casa e registrá-la em seu nome, ela utilizará apenas o produto do roubo anterior. Portanto, não haverá lavagem. Agora, se esse mesmo criminoso, busca enviar esse valor para terceira pessoa, faz transferências para várias contas pertencentes a outras pessoas jurídicas e físicas, e finalmente pega esse valor que passou por essas triangulações todas e compra uma casa e a coloca em nome de alguma terceira pessoa, visando evitar que se descubra que ele — o ladrão do banco — é o verdadeiro dono dessa casa, daí haverá o crime de lavagem, que permitirá punição criminal independentemente da pena a ser aplicada pelo crime antecedente, o roubo ao banco.
Esse é um dos grandes desafios da advocacia que cuida de crimes com características empresariais e econômicas, chamados crimes de colarinho-branco; impor a devida classificação às investigações e ações penais: não deixar que se acuse alguém por ignorância ou excesso acusatório intencional, por crime — lavagem de ativos/dinheiro — que não existiu.
*Pedro é advogado criminalista, membro do IAB, mestre pelo IDP, pós-doutor em direito constitucional pela Universidade de Coimbra