Por Clayton Germano* — A introdução do livro "Como as Democracias Morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, faz uma pergunta perturbadora: a democracia americana está em perigo? Essa indagação, originalmente dirigida aos Estados Unidos, ressoa fortemente no Brasil contemporâneo, onde eventos recentes colocaram em xeque a solidez das instituições democráticas.
No dia 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu atônito à invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Manifestantes, inconformados com o resultado das eleições, invadiram e vandalizaram as sedes do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse ataque explícito às instituições democráticas foi um alerta severo sobre a fragilidade da nossa democracia.
Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomaram medidas louváveis e necessárias para impedir a perda do Estado de Direito Democrático no Brasil. A atuação firme e decisiva dessas instituições foi crucial para manter a ordem constitucional e proteger a democracia de ataques diretos.
Por enquanto, as instituições brasileiras têm sido capazes de manter a democracia contra ações explícitas de afronta. No entanto, como alertam Levitsky e Ziblatt, o perigo real para a democracia não reside apenas em ataques visíveis, mas na erosão gradual e legal de suas próprias instituições. Os autores destacam "o paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia — gradual, sutil e mesmo legalmente — para matá-la."
No caso brasileiro, essa ameaça se manifesta na aprovação de leis que fragilizam os mecanismos de transparência e controle, como a manutenção do orçamento secreto. Esse mecanismo orçamentário, que permite a destinação de verbas sem transparência, compromete a integridade e a fiscalização dos recursos públicos, facilitando a corrupção e o uso indevido de verbas.
A fragilização dos mecanismos de transparência e controle tem consequências diretas na capacidade do Estado de implementar políticas públicas eficazes em áreas essenciais como educação, saúde, segurança, moradia e transporte público. A falta de transparência impede a realização efetiva dessas políticas, aprofundando desigualdades e minando a confiança dos cidadãos nas promessas democráticas.
A descrença dos cidadãos brasileiros na capacidade da democracia de reduzir desigualdades, acabar com discriminações e melhorar o bem-estar da população é um terreno fértil para atos antidemocráticos. Quando a população perde a fé nas promessas democráticas, cresce o risco de adesão a movimentos que pregam soluções autoritárias.
É necessário um processo de autorreflexão coletiva para reconhecer que as condições que levaram à invasão da Praça dos Três Poderes foram sendo forjadas ao longo do tempo. Líderes e políticos autoproclamados democratas têm contribuído para o desmantelamento gradual da democracia, seja por meio de decisões e mudanças legislativas que impedem a democratização dos partidos, seja pela falta de transparência e controle das emendas impositivas, seja pela incapacidade de implementar políticas públicas que atendam às necessidades da parcela mais expressiva e pobre da sociedade brasileira.
A democracia brasileira enfrenta perigos reais e presentes. A defesa das instituições democráticas exige vigilância constante e uma ação coordenada de todos os setores da sociedade. É imperativo que medidas sejam tomadas para fortalecer a transparência, a accountability e a efetividade das políticas públicas, garantindo que a democracia continue a ser um regime político capaz de promover justiça social, reduzir desigualdades e melhorar a vida de todos os cidadãos.
*Clayton Germano é promotor de Justiça do MPDFT. Titular da Segunda Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (PROSUS)