Por Erik Navarro* — A recente discussão sobre a descriminalização do uso recreativo da maconha tem gerado debates acalorados no Brasil. É essencial distingui-la da decisão anterior do Supremo Tribunal Federal, que liberou o uso medicinal da cannabis. Essa primeira foi fundamentada na necessidade de proteção ao direito à saúde, reconhecendo a cannabis como um remédio, assim como outros medicamentos que podem ser mal-utilizados. No entanto, a atual pauta sobre o uso recreativo é de natureza diferente.
Pela legislação vigente, a maconha é uma substância de venda proibida, tipificada como ilícito penal para consumo próprio, além de questões relacionadas ao porte e ao tráfico. Essa é uma discussão complexa e de extrema importância, mas que deve ser tratada no âmbito legislativo. A Teoria do Direito nos ensina que o Parlamento é a caixa de ressonância da sociedade, em que os representantes dos diversos estratos sociais brasileiros traduzem as concepções vigentes em normas.
Contudo, a sociedade brasileira é extremamente conservadora e, algumas vezes, hipócrita. Aprovar uma mudança legislativa dessa magnitude é uma tarefa árdua, pois muitos políticos temem perder sua base eleitoral, especialmente entre os mais conservadores e religiosos. Em tais casos, é comum que se busque contornar o Legislativo e recorrer diretamente ao STF. No entanto, o papel do Supremo é julgar a constitucionalidade das normas infraconstitucionais, não legislar.
A proibição do uso recreativo da maconha não parece ser inconstitucional, pois precede a promulgação da Constituição Brasileira e não foi alterada formalmente por emenda constitucional. A mudança interpretativa, conhecida como mutação constitucional, pode ocorrer, mas deve refletir uma evolução das crenças da sociedade. Recentemente, o próprio ministro Luiz Fux enfatizou que esse debate cabe ao Parlamento e não ao STF.
Portanto, a descriminalização do uso recreativo da maconha deve ser debatida e decidida no Parlamento, respeitando a vontade da sociedade brasileira. O Supremo Tribunal Federal deve atuar dentro de sua competência, assegurando a constitucionalidade das normas, mas sem assumir o papel de legislador.
Nesse sentido, é essencial que cada poder cumpra suas responsabilidades, garantindo o equilíbrio e a harmonia necessários ao Estado Democrático de Direito. Espero, assim, que tenhamos menos ativismo e mais democracia.
Em tempo: sou favorável à alteração legislativa para descriminalizar completamente a produção da cannabis sativa para fins recreativos. Mas este é assunto para um próximo artigo.
*Erik é ex-juiz federal, jurista e empreendedor do direito