Visão do direito

A corrupção no esporte brasileiro: desafios e perspectivas

"Os efeitos nefastos da corrupção no âmbito esportivo são bastante relevantes e enfrentá-los requer não apenas um aprimoramento significativo dos aspectos jurídicos e institucionais como, também, a criação de leis e mecanismos de investigação e controle"

Por Heloisa Uelze e Felipe Ferenzini* — A corrupção no esporte é uma preocupação crescente e que tem trazido questionamentos quanto à integridade das competições e à confiança dos torcedores em relação aos resultados divulgados. Práticas como suborno, lavagem de dinheiro e manipulação de resultados têm sido identificadas em diferentes modalidades, tanto nas pequenas competições locais, como nos grandes eventos internacionais aqui sediados.

Além das questões éticas, esse fenômeno impacta a própria essência do esporte - baseado em uma única regra fundamental, mundialmente conhecida e reconhecida, que é o fair play. Os efeitos nefastos da corrupção no âmbito esportivo são bastante relevantes e enfrentá-los requer não apenas um aprimoramento significativo dos aspectos jurídicos e institucionais como, também, a criação de leis e mecanismos de investigação e controle. A eficácia desses instrumentos, a capacidade de investigação e a transparência nas organizações envolvidas são aspectos igualmente críticos e que exigem atenção.

Em agosto de 2023, a Lei Geral do Esporte passou a criminalizar a corrupção em entidades privadas ligadas ao esporte. De acordo com o seu artigo 165, aquele que, na qualidade de representante de organização esportiva privada, exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida a fim de realizar ou de omitir ato inerente às suas atribuições pode cometer o crime e, consequentemente, ficar sujeito à pena de dois a quatro anos de reclusão e multa.

Essa inovação legislativa é relevante não apenas para o âmbito esportivo, mas para o cenário nacional, uma vez que instituiu a primeira hipótese de criminalização da corrupção entre agentes privados no nosso país, acatando, dessa forma, as diretrizes da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, em que o Brasil se comprometeu a adotar esforços para combater essa prática. Além disso, ao criminalizar essas ações, o combate à corrupção — até o momento relacionado somente às condutas praticadas junto ao setor público — estendeu-se, também, à esfera privada.

A criação e implementação de códigos de ética mais rigorosos, de programas educacionais para atletas e profissionais do esporte, bem como para os setores a ele adjacentes como o de apostas, por exemplo, são medidas tão cruciais quanto o fortalecimento dos órgãos de controle. No mote dos ensinamentos do jusfilósofo Marquês de Beccaria, a certeza de aplicação das sanções aos infratores — após investigações justas e transparentes — é o que contribuirá para dissuadir a prática de más condutas.

Para desenvolver uma cultura de ética, o setor esportivo precisa empreender uma jornada contínua de restabelecimento da relevância do fair play, da honestidade e da integridade, das categorias de base até os níveis profissionais. Isso não apenas ajudaria a prevenir condutas indesejáveis como, também, serviria de modelo para toda uma nova geração de atletas, esportistas, dirigentes, espectadores e patrocinadores, que já nasceriam e seriam educados em um meio comprometido com a ética.

Do mesmo modo, a colaboração entre setores público e privado, aliada a uma fiscalização eficiente, é essencial para restaurar e garantir a integridade e a credibilidade, valores essenciais ao esporte, assegurando que a paixão nacional pelos jogos não seja obscurecida por práticas tão indesejadas quanto indevidas.

*Heloisa e Felipe são sócios do grupo de Ética, Compliance e Investigações do Trench Rossi Watanabe

 

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