Por Gabriel Coura* — Sancionada em julho de 2021, a Lei nº.14.181, conhecida como Lei do Superendividamento, revolucionou o mercado de crédito brasileiro. Trata-se de uma lei inovadora que tem como base práticas já bem-sucedidas em outros países. Além de avançar na disciplina das regras de oferta do crédito, pela primeira vez, os consumidores brasileiros passaram a contar com um sistema próprio para a superação de crises financeiras. A legislação trouxe uma série de medidas voltadas para a prevenção e o tratamento do superendividamento, que têm como pilares o crédito responsável e a informação.
A imposição de políticas de crédito responsável tem como objetivo criar um mercado de crédito mais saudável, o que demanda envolvimento tanto dos consumidores quanto daqueles que concedem o crédito. A lei incentiva ações de educação financeira, visando qualificar os consumidores para a tomada de decisões mais informadas e conscientes sobre suas finanças pessoais. Isso é essencial para estabelecer um padrão de consumo saudável, prevenindo o endividamento excessivo e garantindo que os consumidores possam honrar seus compromissos sem comprometer sua qualidade de vida.
A norma também impõe a adoção de rigorosas políticas de concessão de crédito. Instituições financeiras e outros provedores de crédito agora são obrigados a realizar uma avaliação das condições de pagamento dos consumidores antes de concederem novos empréstimos, considerando a capacidade real de pagamento dos seus clientes, especialmente daqueles com sinais de vulnerabilidade financeira.
Outro grande avanço é o fortalecimento do dever de informação por parte dos credores. A legislação exige que todas as informações relevantes sobre os produtos e serviços financeiros sejam fornecidas de forma prévia, clara e resumida aos consumidores, que passam a contar com um prazo mínimo de dois dias para reflexão. Esse compromisso com a transparência permite uma melhor compreensão das condições da proposta de crédito e a comparação com outras disponíveis no mercado, estimulando o crédito consciente e incentivando a concorrência.
Mas é no tratamento do superendividamento que a lei realmente inovou! Segundo os arts. 104-A e 104-B do Código de Defesa do Consumidor, a pessoa superendividada tem direito à repactuação de suas dívidas, de modo a preservar seu mínimo existencial. A preferência é por um plano de pagamento consensual, elaborado em audiência com a presença do consumidor e de todos os seus credores, reforçando os deveres de cooperação que se espera dos sujeitos envolvidos. Somente para os casos em que não houver acordo, o Poder Judiciário estará autorizado a elaborar um plano de pagamento compulsório.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) tem forte tradição na tutela dos direitos das pessoas superendividadas e desde 2014 conta com o Programa de Prevenção e Tratamento do Superendividamento, que foi reestruturado para se adaptar à nova legislação.
Com ações de educação financeira voltadas à reconstrução do orçamento familiar e contando com o indispensável apoio da Defensoria Pública do Distrito Federal, do Procon/DF e de instituições de ensino superior, o formato atual do programa busca garantir o adequado atendimento multidisciplinar do consumidor superendividado, sem perder de vista a celeridade e eficiência que tais casos demandam. Os pedidos para participar do programa podem ser encaminhados por meio do Canal Conciliar (canalconciliar.tjdft.jus.br), ou por meio do Balcão Virtual (balcaovirtual.tjdft.jus.br), na opção "superendividamento".
Ainda há um longo caminho a ser percorrido na adequada prevenção e tratamento do superendividamento. Mas a Lei 14.181/21 representou um significativo avanço, promovendo um equilíbrio necessário entre proteção ao consumidor e responsabilidade dos credores. Continuar avançando nessa direção é fundamental para garantir que o mercado de crédito brasileiro seja uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento econômico e social do país.
*Gabriel é juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)