Com sucessivas reformas previdenciárias nos últimos 30 anos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já fala em uma nova mudança nas regras, caso seja mantida a desoneração da folha para 17 setores da economia e para pequenos municípios. O advogado Wagner Balera, com a experiência de quem foi procurador do INSS e é autor de mais de 30 livros de direito previdenciário, acredita que tantas reformas criam uma insegurança jurídica justamente para quem está num momento que exige mais certezas quanto ao futuro, quem chega à aposentadoria.
Mas Balera avalia que a desoneração exige que a União aponte uma compensação, de onde vão sair os recursos para incentivo a esses setores da economia. "Desonerar pura e simplesmente só agrava a perspectiva da insustentabilidade financeira da seguridade social no seu todo considerada", afirma o jurista.
Sobre a possibilidade de ocorrerem novas reformas, Balera defende a criação de um foro amplo para apresentar um "projeto abrangente, consensual e duradouro". "Nenhuma reforma que só olhe para o corte de benefícios sem considerar o incremento das receitas terá qualquer chance de caminhar para o equilíbrio econômico, financeiro e atuarial do sistema", acredita.
Em 2022, o Supremo reconheceu a revisão da vida toda, permitindo que aposentados pudessem pedir o recálculo do benefício com base em todas as contribuições feitas ao longo da vida. Mas uma reviravolta no STF alterou esse entendimento. O que está valendo, afinal?
É evidente que a decisão do STF cria, de certo modo, uma insegurança jurídica, o que contraria os pressupostos da seguridade social, que quer justamente que tenhamos segurança quanto aos nossos benefícios no momento em que nos aposentamos. No entanto, o corte no critério temporal atende a uma lógica correta que é o da moeda única. O real é o divisor de águas correto. Misturar moedas poderia criar muita confusão nos cálculos. Ademais, nunca se pode esquecer que a cada despesa deve corresponder uma receita e o critério da revisão da vida toda aumenta a despesa sem enfrentar essa questão.
Representantes de aposentados recorrem para que seja imposto um limite temporal à decisão que colocou um fim à revisão. Até onde vai esse embate?
É um dilema processual um pouco sem sentido. A Justiça — dar a cada um o que é seu — não pode permitir a casuística. O critério deve ser único para todos.
Essa discussão jurídica sobre a revisão da vida toda está mais embasada em questões financeiras do que no direito?
De direito. O que temos? Um período básico de cálculo bem definido: de julho de 1994 até o momento em que o benefício é devido. Tudo o que modificar esse critério estará inovando no plano de benefícios sem considerar o plano de custeio. Vale dizer, cria-se uma nova despesa sem que se indique a receita que irá sustentá-la.
Como avalia as sucessivas mudanças promovidas pelas reformas previdenciárias nos últimos 30 anos? São suficientes para o equilíbrio econômico do sistema? Avançou no direito dos aposentados?
As sucessivas reformas revelam, desgraçadamente, a ausência de um projeto de continuidade. O que se pretendia de início? Um regime único e igual para todos. Esse foi o escopo da proposta de 1995. Mas, os interesses corporativos impediram que se seguisse esse fio condutor. Nenhuma reforma que só olhe para o corte de benefícios sem considerar o incremento das receitas terá qualquer chance de caminhar para o equilíbrio econômico, financeiro e atuarial do sistema.
Que outras alterações poderiam ser promovidas?
Não dá para apontar um elenco sem verdadeiro debate entre todos os atores sociais envolvidos: trabalhadores, empresários, aposentados e governo. O que está faltando é a criação de um foro amplo que, durante período razoável — por exemplo, três meses — proponha-se a apresentar um projeto abrangente, consensual e duradouro.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a manutenção da desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia e da desoneração para pequenos municípios traz o risco de uma nova reforma da Previdência em três anos. Acredita que outros direitos deverão ser cortados?
A desoneração é um acinte desde o momento em que se revogou a lei que obrigava a União a repor a quantia que estava sendo desonerada. Desonerar pura e simplesmente só agrava a perspectiva da insustentabilidade financeira da seguridade social no seu todo considerada.
Como avalia a discussão no STF sobre a desoneração da folha? Esse é um tema apenas do Congresso ou o Judiciário deve entrar?
O omisso é o Congresso, que revogou a lei que exigia que, para cada desoneração, o Poder Legislativo obrigasse a União a cobrir o exato montante da desoneração.
O número de pessoas contribuindo com a Previdência Social hoje é menor que o número de beneficiados. Acredita em colapso no o sistema a curto prazo?
Não acredito num colapso. Quem garante o sistema é a União. Cumpre compatibilizar a reforma tributária com a reforma das fontes de custeio da seguridade social para que esta garanta — como exige a Constituição — os direitos da saúde, da previdência e da assistência social.
O Supremo discute a questão da contribuição progressiva do funcionalismo, cuja eliminação, segundo cálculos, traria perdas de R$ 300 bilhões em 10 anos. O placar está empatado, com pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Sobre esse tema, qual posição o senhor considera justa?
Considero justa a contribuição progressiva, ressalvado meu conhecido ponto de vista que não admite contribuição para os inativos e pensionistas. Isto é, se se dá por assente que pode haver contribuição desse grupo, é razoável que seja progressiva em homenagem à equidade no custeio.
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