Análise

Visão do direito: O Judiciário frente ao estado de calamidade no RS

O Poder Judiciário possui papel fundamental na garantia dos direitos individuais, coletivos e sociais, sendo ainda mais essencial durante eventos de calamidade pública

Por André Macedo de Oliveira*, Lívia Caldas Brito* e Pedro Aurélio A. Lustosa* — Não parece que quando um desastre climático de grandes proporções acontece, a atuação dos tribunais esteja entre as primeiras preocupações no imaginário social. Isso não significa dizer, no entanto, que os Tribunais não sejam impactados por esse tipo de evento ou que não tenham de lidar com suas consequências.

O Poder Judiciário possui papel fundamental na garantia dos direitos individuais, coletivos e sociais, sendo ainda mais essencial durante eventos de calamidade pública. A ação rápida dos Tribunais pode ser fator determinante para assegurar direitos e garantir o acesso à justiça. Essa atuação assume maior eficiência quando, em cooperação institucional, experiências são compartilhadas entre os órgãos judiciários.

Começando pelo que talvez seja mais óbvio, o STF suspendeu os prazos de todos os processos que envolvessem o Rio Grande do Sul ou que fossem conduzidos apenas por advogados gaúchos, em andamento naquela Corte. O mesmo tipo de medida também foi adotado pelo STJ.

Além disso, prevendo a proliferação de demandas de diversos tipos, a exemplo do que ocorreu após os rompimentos das barragens de Fundão (Mariana) e do Córrego do Feijão (Brumadinho), o TRF-4 emitiu a Nota Técnica nº 001/2024, que tem como objetivo disseminar informações e compartilhar conhecimentos adquiridos de outras experiências.

Nesse sentido, a Nota Técnica elencou possíveis características da judicialização dos conflitos nesses casos, tais como (i) o grande volume de ações individuais; (ii) a judicialização com base na Lei nº 13.755/2023, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens; (iii) a cumulação de pretensões, réus e foros; (iv) os riscos de fragmentação de demandas; (v) as ações coletivas redundantes ou contraditórias; (vi) as ações coletivas por região ou município atingido; (vii) a definição de documentos; (viii) a competência; (ix) as atribuições; (x) as associações sem representatividade; (xi) as ações populares; e (xii) a litigância predatória.

De fato, o TJMG, grande foco das ações envolvendo Mariana e Brumadinho, emitiu manual sobre o enfrentamento do abuso do direito de ação em que endereçou medidas para fazer frente ao prejuízo bilionário aos cofres públicos decorrente da litigância predatória e da fragmentação de litígios.

Voltando ao TRF-4, chama atenção o fato de a Nota Técnica 001/2024 já antever a possibilidade de que tais características da judicialização podem gerar um tratamento fragmentado dos litígios, "com ações individuais e coletivas sendo distribuídas nas diversas subseções, com abrangência variada nos pedidos, o que poderá resultar em decisões contraditórias e em soluções com impactos negativos sobre a execução adequada das políticas públicas".

Mesmo em evento de calamidade pública causado por fatores ambientes, a experiência dos Tribunais permite antever práticas abusivas para fortalecer o papel do Poder Judiciário como garantidor de direitos. Em verdade, essa é a grande lição que deve nortear a atuação dos tribunais nos casos decorrentes do quadro atual de calamidade pública. É preciso que os Tribunais locais sejam vigilantes e atuem em conjunto, de forma cooperativa, inclusive com outras instituições para impedir que o aumento da litigiosidade desague em quadro generalizado de insegurança jurídica.

*André é sócio do BMA Advogados

*Lívia é advogada na área de solução de conflitos

*Pedro é advogado na área de solução de conflitos

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