Por Matheus Silva Reis* — Historicamente, os sistemas de serviços notariais e registrais brasileiros se caracterizam por apresentar procedimentos para assegurar organização técnica e administrativa de tais serviços e atribuir maior segurança jurídica ao cidadão. A Constituição de 1988, no artigo 236, estabelece que os serviços notariais e registrais detêm caráter privado, exercidos por delegação do Poder Público, embora envolvam a prática de atividade essencialmente pública. Dotadas de fé-pública, as serventias extrajudiciais atribuem formalização e autenticação aos instrumentos, consubstanciando atos jurídicos extrajudiciais do interesse dos solicitantes e reforçando a certeza de sua legalidade.
A Lei 6.015/73 disciplina o sistema brasileiro de Registros Públicos, de modo a garantir autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, nos termos do seu art. 1º. Nos últimos anos, vislumbramos a evolução significativa do arcabouço regulatório brasileiro no âmbito da tecnologia e inovação, com a promulgação das seguintes leis: Lei 10.973/2004 (Lei de Inovação); Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet); e da Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados — LGPD). As leis supracitadas se tornaram essenciais para o desenvolvimento do digital, contribuindo para a criação de um ambiente democrático e inclusivo, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos fundamentais (liberdade, privacidade e personalidade), promoção da liberdade na internet e desenvolvimento de tecnologias inovadoras.
Tal evolução culminou na modernização legislativa da atividade imobiliária, notarial e registral, com os seguintes dispositivos: Lei 14.382/2022 (Sistema Eletrônico dos Registros Públicos — SERP); e Provimentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 89/2019, 94/2020, 100/2020 e 124/2021. Destes dispositivos, vale destacar a importância do SERP, que atua como um ponto central, unificando e integrando os sistemas eletrônicos existentes nos serviços notariais e de registro, além de estabelecer diretrizes abrangentes para a digitalização de todos os atos e documentos.
Nesse cenário, é importante ressaltar o crescimento do uso da tecnologia blockchain para diversos tipos de operações e funcionalidades, principalmente aquelas que envolvem criptoativos e tokens. A tecnologia blockchain, enquanto DLT (distributed ledger technology), permite o armazenamento e gerenciamento seguro, imutável, automatizado e descentralizado de grandes quantidades de dados, mediante adoção de smart contracts (contratos inteligentes). No âmbito do registro público, a tecnologia serviria para trazer maior segurança, agilidade e transparência às atividades realizadas por tabeliães e registradores na blockchain.
Sendo um exemplo de implementação desta tecnologia blockchain, a plataforma e-Notariado, gerida pelo Colégio Notarial do Brasil, representa um marco no uso das tecnologias blockchain nas atribuições notariais e registrais do Brasil, por meio da rede Notarchain. Destacam-se o registro na blockchain de atos notariais eletrônicos, certificados digitais notarizados na plataforma, termo de confirmação de identidade, capacidade e autoria para reconhecimento de firma por autenticidade (TEC). Assim, tais serviços, associados à tecnologia blockchain, atestam a veracidade e a imutabilidade das informações, além de assegurar a fé pública dos registros.
No mesmo sentido, o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Confeci) emitiu a Portaria 40, de 2024, que permite o uso da tecnologia blockchain para registro de contratos e documentos, bem como a disponibilização pelos responsáveis do registro dos instrumentos na intermediação imobiliária.
As informações contidas nos registros públicos são sensíveis, de modo que é cada vez mais necessário mecanismos de segurança e proteção de dados, a fim de evitar adulterações e falsificações de dados nos registros. A blockchain supera essas questões ao fornecer um sistema imutável e descentralizado, garantindo a integridade das informações e dificultando situações e eventos de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado dos dados.
A expansão na adoção da blockchain contribuirá diretamente para aperfeiçoar a modernização e a integração dos serviços eletrônicos nos cartórios de registro público, além de simplificar ainda mais os processos, aumentando o detalhamento nos atos e transações formalizadas, reduzindo os prazos.
Neste sentido, a implementação da tecnologia blockchain está alinhada com alguns dos princípios dos registros públicos, sendo estes a publicidade, legalidade, especialidade, continuidade, presunção e fé pública e disponibilidade. Portanto, ao adotar essa tecnologia, os sistemas de registro público podem alcançar novos patamares de confiabilidade e eficiência de procedimentos atrelados aos registros públicos, além de contribuir para modernização e desburocratização.
Em síntese, não resta dúvida de que o uso da tecnologia blockchain contribui diretamente para o aprimoramento das atribuições registrais e notariais no Brasil, como ferramenta para interligar os cartórios do território nacional e padronizar os serviços oferecidos por essas instituições. Para tanto, é necessário criar um arcabouço legal que assegure a compatibilização dos avanços tecnológicos com os pilares e fundamentos da longa tradição da instituição registral brasileira.
*Matheus é graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com atuação nas áreas de direito imobiliário e tecnologia e inovação no escritório VBD Advogados
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