Opinião

Visão do direito: Alterações no CPC sobre o foro de eleição

Inseriu-se um novo conceito no CPC, de "juízo aleatório", definido "como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda"

Por Luiz Friggi* — A Lei nº 14.879/2024 modificou o artigo 63 do Código de Processo Civil (CPC), que trata do foro de eleição contratual. Inseriu-se um novo conceito no CPC, de "juízo aleatório", definido "como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda" (§ 5º).

Para que a cláusula de eleição de foro ganhe eficácia, além de constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico (redação original do § 1º), a alteração legal determina que a eleição de foro guarde pertinência "com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação" - com ressalva à legislação consumerista e as restrições lá conhecidas.

O propósito legislativo é bem claro e pragmático: restringir a possibilidade de forum shopping por meio de pactuações contratuais sobre foro. Trata-se de permissão, ao juiz, de algo próximo à doutrina do forum non conveniens, que circunda a ideia da existência de um juízo "inadequado". Isto é, por razões de ordem pública, o interesse das partes não poderia violar sobremaneira os preceitos comuns sobre competência, ainda que ambas estejam plenamente satisfeitas com o juízo previamente escolhido contratualmente.

Assim, caso o juiz identifique, antes da citação, que a eleição de foro é sobre "juízo aleatório", poderá declinar a competência de ofício. Tal hipótese se soma à anteriormente disciplinada (no § 3º), na qual o juiz poderia considerar a ineficácia de uma cláusula de eleição de foro "abusiva", tida como aquela que, por exemplo, dificulte o exercício do direito de

Embora o § 5º não seja específico, sua aplicação parece ter que ser alinhada com os mesmos comandos do § 3º. Isto é, a declinação da competência de ofício, seja em razão de abusividade da cláusula, ou de sua aleatoriedade, somente pode ocorrer antes da citação, e a consequência será a remessa dos autos ao domicílio do réu (regra geral do artigo 46 do CPC para ações fundadas em direito pessoal ou direito real sobre bens móveis); embora seja possível verificar que, se reconhecida a ineficácia da eleição de foro - assim não resultando efeitos - o juiz devesse aplicar as disposições comuns sobre competência, como, por exemplo, em se tratando de ação fundada em direito real sobre imóveis, a competência, em regra, é do foro da situação da coisa (artigo 47).

Como se trata de alteração de regra processual que dispõe sobre negócio jurídico (direito material), algumas dúvidas podem surgir em relação à sua imediata aplicabilidade. A questão é que a "pertinência" invocada pelo § 1º é uma questão de fato e não de ajuste negocial - ela existe ou não, no plano concreto, embora presente o ato jurídico perfeito. Dessa maneira, a alteração legislativa é aplicável a todos os contratos já firmados, mesmo aqueles anteriores à Lei nº 14.879/2024, cabendo ao juiz analisar, nesse mesmo plano concreto, se o foro de eleição eleito pelas partes guarda a pertinência (ou vinculação) legal.

Um ponto final a ser considerado é sobre a estabilidade do processo e o fenômeno da prorrogação de competência. Em se tratando de competência relativa, temos aqui um point of no return. Ou seja, se o juiz não declinar a competência de ofício antes da citação (pela abusividade ou pela impertinência) e se, após a citação, não houver alegação de incompetência pelo réu (§ 4º, sob pena de preclusão), prorroga-se a competência para o juízo em que distribuída originalmente a ação (artigo 65), sendo impossível, após essa estabilização, a remessa do processo para outro juízo.

*Friggi é sócio da área Cível e de Resolução de Conflitos do Simões Pires Advogados

 

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