Por Ana Paula De Raeffray e Cristina Canedo* - A premissa da Lei nº 14.611/2023, de igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, merece louvor e se harmoniza com paradigmas internacionais. Sem embargo, todavia, da incontestável relevância de se promover a igualdade entre homens e mulheres, os mecanismos adotados por essa Lei e seus regulamentos violam os próprios princípios constitucionais alicerces da premissa que se quer efetivar, com impactos preocupantes para o setor produtivo.
Esse arcabouço legal determina que empresas com 100 ou mais empregados são obrigadas a publicar, semestralmente, relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios, com a finalidade de comparar salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos entre homens e mulheres. Com essa publicação, as empresas nas quais forem identificadas desigualdades salariais e de critérios remuneratórios deverão elaborar num prazo de 90 dias uma plano de ação com medidas para mitigar ditas desigualdades.
Tal marco legal, contudo, é inconstitucional, pois despreza as hipóteses legítimas de diferenças salarias conformadas pelo legislador no artigo 461 da CLT, que permite salários diferentes para o mesmo cargo ou ocupação, quando atividades na mesma função são prestadas ao mesmo empregador, mas estabelecimentos distintos ou em trabalhos com diferente produtividade e perfeição técnica ou diferença de tempo de serviço.
Também viola os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o relatório deve ser publicado independentemente de as empresas poderem justificar eventuais diferenças existentes e calcadas em justificativas legais. Se a empresa não publicar o relatório estará sujeita à multa administrativa no valor de até 3% da folha de salários da empresa (limitado a 100 salários mínimos). Se publicar, e, se constatadas diferenças salariais com base no relatório de transparência salarial estará sujeita a multa correspondente a 10 vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado e indenização por danos morais.
É fato que há em trâmite ações questionando a constitucionalidade da legislação em questão, mas ainda não há indicação de quando ocorrerá o julgamento. Muitas empresas, entretanto, ainda não se deram conta, de que estando vigente essa legislação, podem ter impactos de imagem, concorrência, custos decorrentes da insegurança jurídica decorrente dessa chancela legal da subjetividade, que não deixa clara a necessidade de comprovação efetiva e indubitável da discriminação.
E, a solução mais adequada a ser adotada para a empresa, como o ajuizamento de ação judicial, a elaboração do Plano de Mitigação e a defesa administrativa de eventual autuação da fiscalização trabalhista passa pela análise de cada caso concreto, pois cada estabelecimento tem uma realidade e uma justificativa específica.
Alerta-se, que já há um movimento do Ministério do Trabalho para a criação de um planejamento específico para monitorar e fiscalizar o cumprimento dessa legislação. Isso significa que tais empresas devem se preparar não só para a defesa em relação aos eventuais autos de infração que lhes forem aplicados, mas também para elaborar e implementar o Plano de Ação no prazo de 90 dias após à notificação da auditoria fiscal que identificou desigualdades com base nessa legislação.
Não se tem dúvida de que as empresas devem se antecipar na adoção de medidas e dos procedimentos a fim de evitar ou mitigar os impactos a que estão sujeitas, sem perder de vista, a trilha da premissa da efetiva igualdade salarial objetiva e calcada nos princípios constitucionais.
*Advogada, doutora em Direito pela PUC-SP e sócia do escritório Raeffray Brugioni Advogados (Ana Paula De Raeffray); Advogada, sócia do escritório Raeffray Brugioni Advogados (Cristina Canedo)
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