Por Railane Roma da Silva* — A descriminalização das drogas é um tema que suscita debates intensos no âmbito jurídico, social e político. A discussão envolve não apenas questões legais, mas também implicações na saúde pública, segurança, economia e direitos humanos.
Inicialmente, é fundamental diferenciar descriminalização de legalização. A descriminalização consiste na remoção de sanções criminais para o uso pessoal de drogas, mantendo, no entanto, as infrações administrativas ou outras sanções civis. Por outro lado, a legalização implica na regulamentação completa do uso, produção e comercialização das substâncias, integrando-as ao mercado formal.
No Brasil, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) ainda criminaliza o uso e posse de drogas para consumo pessoal, embora não preveja penas privativas de liberdade para usuários. A distinção entre usuário e traficante é feita pelo juiz, considerando a quantidade de droga, o local e as circunstâncias do fato, bem como a conduta e antecedentes do agente.
Apesar disso, recentemente, o tema da descriminalização das drogas ilícitas ganhou grande repercussão no Brasil. A Câmara dos Deputados propôs a Emenda à Constituição (PEC) 34/23, que visa proibir a descriminalização da posse, porte e uso recreativo de drogas entorpecentes ou psicotrópicas que causam dependência. Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que trata da diferenciação entre usuário e traficante de drogas.
A PEC 34/23 visa alterar a Constituição para proibir a descriminalização da produção, posse, tráfico e consumo de drogas entorpecentes e psicotrópicas. O texto também impede a legalização de tais substâncias para fins recreativos, mas permite a pesquisa científica para desenvolvimento de substâncias medicinais.
A PEC levanta algumas questões jurídicas importantes, tais como, uma violação aos direitos fundamentais, como o direito à privacidade e à autonomia individual, na medida em que criminaliza comportamentos que podem ser tratados sob uma ótica de saúde pública. Além de gerar um significativo impacto na Justiça Criminal, visto que, a manutenção da criminalização pode perpetuar o encarceramento massivo por delitos menores relacionados a drogas, contribuindo para a superlotação carcerária e o agravamento de questões sociais e raciais.
Por outro lado, o STF retomou o julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que diferenciou a figura do usuário da figura do traficante, mas, apesar de deixar de prever pena de prisão para os usuários, manteve a criminalização desses, que continuam sendo alvos das medidas judiciais, mesmo que brandas. Até agora, cinco dos oito ministros que votaram se manifestaram a favor da descriminalização.
O ponto central do julgamento no STF é definir a quantidade de drogas que diferencia um usuário de um traficante. Essa delimitação é crucial para garantia da justiça e igualdade, visto que a ausência de critérios objetivos atualmente permite discricionariedade excessiva, que pode resultar em tratamento desigual baseado em fatores socioeconômicos e raciais, isso porque é inegável que hoje, no Brasil, essa diferenciação vai depender da classe social e etnia do indivíduo que foi apreendido portando o entorpecente, no passo em que o tratamento dado a um indivíduo branco, ainda mais se este pertencer a classe média ou alta, não é o mesmo dado a um indivíduo pobre, preto e periférico.
Além disso, o julgamento da Suprema Corte deve dar maior segurança jurídica sobre o tema, tanto para os cidadãos quanto para as autoridades judiciais.
No mais, embora o julgamento seja significativo, vale ressaltar que a decisão do STF se aplicará apenas à maconha. Mesmo que a corte decida pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, outras drogas permanecerão sob o regime atual da Lei 11.343/2006.
A discussão sobre a descriminalização das drogas no Brasil é complexa e multifacetada. A PEC 34/23 e o julgamento do STF representam pontos cruciais nesse debate, trazendo à tona questões fundamentais sobre direitos individuais, justiça social e políticas de saúde pública. Independentemente dos resultados dessas iniciativas, é essencial estabelecer critérios claros para distinguir usuários de traficantes, garantindo um tratamento justo e igualitário a todos os cidadãos.
*Railane Roma da Silva é advogada criminalista do Escritório Jorge Advogados.