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Visão do direito

Souza Prudente: Direito-dever de votar no meio ambiente hospitalar

A Carta Magna nos conclama a construir uma sociedade solidária, justa e livre, repudiando todo tipo de discriminação para um desenvolvimento sustentável

Souza Prudente, desembargador federal aposentado, bacharel em Direito, Mestre e doutor em Direito Ambiental e Pós-doutor em Direitos Humanos -  (crédito:  Mariana Lins )
Souza Prudente, desembargador federal aposentado, bacharel em Direito, Mestre e doutor em Direito Ambiental e Pós-doutor em Direitos Humanos - (crédito: Mariana Lins )

Por Souza Prudente* — A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para os analfabetos, os maiores de 70 anos e os maiores de 16 anos e menores de 18 anos (artigo 14,§10, incisos I e II, alíneas a, b e c).

O mesmo texto magno também determina que "é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I — cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II — incapacidade civil absoluta; III — condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV — recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5o, VIII; V — improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 40 (art. 15, caput e respectivos incisos I a V).

A Carta Magna também nos conclama a construir uma sociedade solidária, justa e livre, repudiando todo tipo de discriminação para um desenvolvimento sustentável, visando o bem-estar de todos, como fundamento da República Federativa do Brasil (CF, artigo 30, incisos I, II e IV).

A cidadania ativa e passiva, de que nos falava Pimenta Bueno, no século XIX, e que fora apregoada na Declaração dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, em 1948, com a determinação de que "todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos" (art. 21), já adquiriu nova dimensão, no terceiro milênio.

Com razão, pois Carmem Lúcia Antunes Rocha, quando diz "que hoje a cidadania não se afirma apenas em uma cidade, quer dizer, o cidadão não é mais considerado em tal condição pela sua tão-só condição de membro de uma determinada sociedade política.

Os direitos — especialmente os direitos fundamentais individuais, sociais e os denominados direitos difusos — ultrapassaram as fronteiras territoriais do Estado. (...) Rompem-se as barreiras, inclusive, materiais, que o Estado burguês cuidou de construir no início da era moderna.

A soberania ainda é, em grande parte, do poder de um povo de um Estado. Mas a cidadania é maior que o Estado; os direitos do povo interessam a todos os povos de todos os Estados. Os direitos fundamentais têm a fraternidade despida da farda normativa que o Estado Moderno cuidara de esculpir. Trouxeram-na ao experimento diário de cada cidadão, a se obrigar pelo seu semelhante em outro ponto do planeta, a revoltar-se contra os maus governos de todos os Estados que os tenham assim, a rebelar-se contra todas as formas de corrupção que lesem os homens."

Nesse nosso país continental e em diversos países deste planeta, milhares de pessoas que estejam hospitalizadas no pleno uso de suas faculdades mentais (com exceção daquelas que estão em coma, incomunicáveis) e que se acham plenamente habilitadas ao exercício do voto obrigatório ou facultativo, mediante atestado dos médicos que os assistem nessas inúmeras unidades hospitalares no Brasil e no exterior, para uma eleição plena e democrática.

Não se deve olvidar que a dignidade da pessoa humana e a cidadania são pilares fundamentais da República Federativa do Brasil e nosso Estado Democrático de Direito (CF, artigo 10, incisos I e II) e que as milhares de pessoas que seguem hospitalizadas nos períodos eleitorais e que são absolutamente capazes, no pleno gozo de seus direitos civis e políticos e que não se enquadrem em nenhuma das hipóteses de perda ou suspensão desses direitos políticos, nos termos da Carta Política Federal, podem e devem exercer seu direito de votar, mediante autorização médica, devendo as Cortes Eleitorais adotarem as medidas necessárias para a colheita desses votos no Brasil e no exterior, onde exista algum brasileiro ou brasileira, nas condições aqui expostas, preservando o sigilo das urnas sempre.

Há de ver-se que tal procedimento se impõe por determinação expressa do comando constitucional acima exposto, dispensando-se qualquer resolução nesse sentido pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral, bem assim pelas Cortes Regionais Eleitorais do Brasil.

Garantir o direito-dever ao voto, nesse contexto excepcional, é um dever constitucional de todos que se empenham pela afirmação do Estado Democrático de Direito no Brasil.

Nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, o direito-dever ao voto manifesta-se como um ato público de soberania popular no cenário democrático do Estado de Direito.

*Souza é desembargador federal aposentado, bacharel em Direito pelas Arcadas do Largo São Francisco (USP) — Mestre e doutor em Direito Ambiental pela UFPE — Pós-doutor em Direitos Humanos pelas Universidades de Salamanca (Espanha) e de Pisa (Itália)

 

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postado em 27/06/2024 04:00
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