JUSTIÇA

Visão do direito: reforma sindical é realidade ou ficção?

"A unicidade sindical tem sido cada vez mais criticada por limitar a liberdade de associação e a concorrência entre sindicatos"

Maurício de Lion, especialista em Direito Coletivo e Sindical -  (crédito:  Dias Carneiro Advogados/Divulgação)
Maurício de Lion, especialista em Direito Coletivo e Sindical - (crédito: Dias Carneiro Advogados/Divulgação)

Por Maurício de Lion* - A sociedade vem passando por significativas transformações ao longo dos anos com o objetivo de refletir mudanças políticas, econômicas, tecnológicas e de relacionamento, mas a necessidade de reformar o sistema sindical brasileiro tornou-se evidente e inevitável, especialmente se o país quiser continuar a ser visto por investidores como sério competidor no mercado global.

O sindicalismo no Brasil tem suas raízes no início do século XX, com influências das correntes anarquistas e socialistas que emergiam na Europa, mas durante o governo Getúlio Vargas, passamos por uma importante transformação com a criação do chamado modelo corporativista. Em síntese, Vargas vinha sendo pressionado com a chegada de muitos imigrantes ao país, decidindo então por submeter completamente o controle da atividade sindical ao Estado.

Referido modelo foi transportado para a CLT em 1943, consagrando a unicidade sindical, ou seja, apenas um sindicato pode representar determinada categoria profissional ou econômica em uma mesma base territorial, bem como a contribuição sindical obrigatória, também conhecida como imposto sindical, uma taxa compulsória recolhida de todos os trabalhadores e empregadores, independentemente de serem filiados.

A unicidade sindical tem sido cada vez mais criticada por limitar a liberdade de associação e a concorrência entre sindicatos. Os trabalhadores são forçados a se filiar a uma única entidade, independentemente de suas preferências pessoais e/ou de concordarem com o perfil dos dirigentes ou seu presidente, forma de atuação e ideologias, por exemplo.

Tal restrição, muitas vezes, resulta em sindicatos pouco representativos e que não atendem adequadamente aos interesses dos trabalhadores – quando não há competição, os sindicatos podem se tornar menos motivados a oferecerem serviços de qualidade ou então a lutar de maneira eficaz pelos direitos dos trabalhadores ou segmento econômico representado.

A contribuição sindical obrigatória, embora tenha garantido recursos financeiros estáveis para os sindicatos, sempre foi alvo de críticas por não depender do real engajamento e filiação dos trabalhadores, resultando em entidades pouco atuantes e com baixa legitimidade perante a base que deveriam representar. Além disso, a falta de transparência na gestão dos recursos e na prestação de contas aos filiados compromete sobremaneira a confiança e credibilidade das entidades.

Setenta e quatro anos se passaram e, em 2017, a chamada Reforma Trabalhista extinguiu a obrigatoriedade do imposto sindical, tornando-o facultativo. A partir de então, qualquer tipo de contribuição somente poderia ser descontada mediante autorização prévia e expressa dos trabalhadores. Tal mudança teve impacto expressivo nas finanças dos sindicatos, os quais passaram a depender da filiação voluntária e das contribuições espontâneas dos trabalhadores, mas o legislador perdeu uma excelente oportunidade para atualizar e, porque não, inovar no âmbito da representação coletiva.

Em um sistema de unicidade sindical, a ausência de alternativa significa que os trabalhadores ou empresas que se sentem mal representados não têm para onde recorrer. Isso pode levar a um desengajamento dos envolvidos, enfraquecendo a solidariedade e a capacidade de mobilização das respectivas categorias e segmentos econômicos.

Por outro lado, em um ambiente no qual múltiplos sindicatos podem representar a mesma categoria, a necessidade de se destacar e atrair filiados, via de regra, incentiva um maior dinamismo e eficiência.

A análise de sistemas sindicais em outros países pode oferecer insights valiosos para a reforma sindical no Brasil. Países como a Alemanha, onde o sistema de cogestão permite uma colaboração mais estreita entre sindicatos e empregadores, e a Suécia, onde os sindicatos têm um papel central na definição das condições de trabalho e na administração do seguro-desemprego, são exemplos de modelos que poderiam inspirar melhorias no sistema brasileiro.

Na França, a pluralidade sindical é uma característica marcante do sistema laboral. Vários sindicatos podem coexistir e representar trabalhadores em diferentes setores, o que também ocorre na Itália, Espanha, Estados Unidos e Japão, por exemplo.

A reforma sindical no Brasil é um processo complexo, mas necessário. Infelizmente não há consenso sequer entre as centrais sindicais que a defendem, mas é essencial continuar avançando o debate em direção a um sistema mais democrático, transparente e representativo. Caso contrário, continuaremos perdendo investimentos para países com regimes e regras adaptadas às novas realidades do mundo do trabalho.

*Especialista em Direito Coletivo e Sindical — Sócio do Grupo de Prática Trabalhista do escritório Dias Carneiro Advogados

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postado em 20/06/2024 06:00
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