JUSTIÇA E SOCIEDADE

Visão do direito: não há democracia sem direito do trabalho

"Não há Estado Democrático de Direito sob golpes ou iniquidades sociais, sejam eles contra a ordem institucional do sistema de representação política, sejam eles contra os direitos fundamentais do Trabalho"

Grijalbo F. Coutinho, desembargador do TRT-10 (DF e TO), mestre e doutor em Direito pela UFMG -  (crédito:  TRT-10/Divulgação)
Grijalbo F. Coutinho, desembargador do TRT-10 (DF e TO), mestre e doutor em Direito pela UFMG - (crédito: TRT-10/Divulgação)

Por Grijalbo F. Coutinho* - Vivemos a época mais aguda de destruição do marco regulatório das relações de trabalho no Brasil, fúria que teve início nos anos 1990 e atingiu seu ápice a partir da jurisprudência reconfigurada do Supremo Tribunal Federal, responsável por abalar as estruturas e os fundamentos do Direito do Trabalho.

No conjunto de 60 temas nucleares de Direito do Trabalho julgados pelo STF, somente entre 2007 e 2020, em 57 deles o Tribunal retirou garantias antes incorporadas ao patrimônio jurídico laboral, com destaque para a liberação da terceirização generalizada, a prevalência do negociado sobre o legislado e o rebaixamento extremo da correção monetária e dos juros de mora sobre os débitos trabalhistas, além da persistente espoliação da competência da Justiça do Trabalho.

Essa toada desregulamentadora continuou em igual ritmo nos anos seguintes, sendo que entre 2023 e 2024, monocraticamente e por meio de decisões de Turma, o Tribunal cassou ou reformou centenas de acórdãos da Justiça do Trabalho os quais reconheciam, após analisar fatos e provas, a existência da relação de emprego entre trabalhadores e empresas.

Reclamação é instrumento que se destina à preservação da competência do Tribunal e à manutenção da autoridade de suas decisões. Tem sido utilizada, porém, para aumentar a lente do decidido pelo STF em caráter vinculante, sem nenhuma aderência estrita aos casos trazidos a seu exame.

Não há decisão vinculativa do STF proibindo a Justiça do Trabalho de analisar e emprestar sentido jurídico a fatos, provas e eventuais fraudes trabalhistas. A Reclamação de lente bem ampliada é que está desrespeitando os próprios precedentes do Tribunal. Tornando-se instância recursal quanto ao exame de fatos e provas, o STF tem relegado os fundamentos e princípios do Direito do Trabalho, notadamente o da primazia da realidade, a ponto de admitir que qualquer documento assinado pela parte trabalhadora, a exemplo da constituição formal de PJ, seja o suficiente para impedir o reconhecimento da relação de emprego, além de afastar a competência da Justiça do Trabalho para julgar tais demandas, impedindo-a de analisar as fraudes trabalhistas eventualmente perpetradas, com o consequente esvaziamento da jurisdição especial laboral.

Estamos retrocedendo, do ponto de vista social, ao início do século XIX, quando não havia no cenário mundial Direito do Trabalho, época liberal marcada pela imposição absoluta de todas as condições de trabalho por parte do detentor do poder econômico. Voltamos ao reino absolutista do contrato. Nunca havia acontecido nada parecido, em termos de devastação do Direito do Trabalho em quase dois séculos de sua existência. Para além da revelação dos sintomas de uma grave crise de deficit da democracia constitucional, a jurisprudência do STF em matéria trabalhista expõe a necessidade de recorrer urgentemente à Constituição para corrigir os equívocos, relacionados à interpretação de seu texto e, por conseguinte, dar máxima efetividade aos direitos fundamentais nela assegurados.

Tão importante para repelir as tentativas recentes de golpes no Brasil contra a Democracia, o Tribunal não pode exercer papel tão oposto quanto à preservação dos direitos da pessoa que trabalha, constitucionalmente assegurados como pilares inarredáveis do Estado Democrático de Direito. Não há Estado Democrático de Direito sob golpes ou iniquidades sociais, sejam eles contra a ordem institucional do sistema de representação política, sejam eles contra os direitos fundamentais do Trabalho.

*Desembargador do TRT-10 (DF e TO), mestre e doutor em Direito pela UFMG

Consultório jurídico

 Olivar Vitale, sócio-fundador do VBD Advogados, Conselheiro Jurídico do Secovi-SP e do Sinduscon-SP.
Olivar Vitale, sócio-fundador do VBD Advogados, Conselheiro Jurídico do Secovi-SP e do Sinduscon-SP. (foto: VBD Advogados/Divulgação)

Entenda a possibilidade de gestão de escrow account pelo tabelião de notas (Por Olivar Vitale, Sócio-fundador do VBD Advogados, conselheiroJurídico do Secovi-SP e do Sinduscon-SP)

Conhecida como Marco Legal das Garantias, a Lei 14.711/23, sancionada no fim de outubro, implementou diversas alterações para aprimorar os negócios imobiliários, a nova legislação tem como objetivo modernizar as execuções e estimular o crédito imobiliário e a redução de juros. Possibilitou, por exemplo, que um mesmo bem possa ser usado como garantia em mais de um pedido de empréstimo. Também introduziu a possibilidade de gestão de escrow account pelo tabelião de notas.

O que é uma escrow account? Trata-se de conta vinculada, na modalidade de garantia, gerida por um terceiro, em que o devedor deposita o valor da operação ou parte dele para cumprimento das obrigações do contrato. Nessa situação, qual é o papel do tabelião de notas?

A gestão dessa conta é feita por uma terceira parte, o tabelião de notas, neutro às negociações, que atua como intermediário durante todo o processo. Inclusive como intermediário na certificação do implemento ou da frustração de condições referentes a determinado negócio e como responsável pela administração dos recursos provenientes da excussão da garantia, repassa, ou não, os valores depositados na conta vinculada.

Como ficam os valores depositados na escrow account? Os valores depositados são segregados do patrimônio, não podendo ser constrito por autoridade judicial ou fiscal em razão de obrigação do depositante, de qualquer parte ou do tabelião de notas, por motivo estranho ao próprio negócio.Como poderá funcionar na prática?

Imagine um vendedor de um imóvel que possui dívidas e pretende utilizar parte do preço para quitá-las. Nesse caso, com o depósito do valor de compra do imóvel, o notário fará o repasse da parcela destinada ao pagamento dessas dívidas e do remanescente a ser destinado ao vendedor.

A gestão da escrow account pelo notário já pode ser realizada apenas a partir da vigência da Lei 14.711/23? Não. A gestão da escrow account depende de convênio a ser firmado entre a entidade de classe de âmbito nacional e instituição financeira credenciada.

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postado em 20/06/2024 06:00
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