Por Daniel Bernoulli* — A batida de palma, o acionamento da campainha, três socos à porta ou simplesmente um "ô de casa!". De ordem do homem da capa preta, o oficial de justiça sai em busca de cidadãos que o recebem ressabiados, curiosos e, às vezes, até apreensivos. É uma convocação para ser jurado no Tribunal do Júri.
Para ser jurado, antes de tudo, é preciso ser um sujeito de sorte.
Todo ano, o juiz busca, junto a associações, instituições de ensino, repartições públicas, sindicatos ou autoridades locais uma lista de pessoas para compor uma grande urna, que servirá para o ano seguinte. A depender do tamanho da cidade, essa urna poderá conter entre 80 e 1500 nomes.
A partir disso, todo mês (em regra), o juiz convoca promotor, defensor e advogado para acompanhar a escolha dos jurados daquele período, retirando então dessa urna diversos nomes que, se não houver impugnação, acabam em uma urna menor.
Antes de 2008, a lei exigia que quem tirasse esse nome da urna maior fosse um "menor de 18 anos". Era muito curioso, no dia desse sorteio, encontrar o diretor de secretaria desesperado em busca de uma criança ou adolescente no fórum, questão que só se resolvia quando se apelava para o público das varas de família. A sabedoria do legislador em trazer as pessoas desde cedo para o ambiente de democracia e participação em um dos Poderes acabou sendo engolida pela pressa do dia a dia e a necessidade de se enxugar o procedimento em etapas — que julgaram — menos revelantes.
No dia do júri, dessa segunda urna, apenas sete serão escolhidos. Como se vê, para ser jurado é preciso ter sorte.
E quem pode ser jurado, afinal? A lei dispõe que o alistamento compreenderá cidadãos maiores de 18 anos de notória idoneidade. Então, quando o juiz vai montar a primeira urna (a anual), ele deve fazer minuciosa busca nos dados daqueles nomes para verificar se constam ou não passagens criminais, tudo para garantir que nenhum condenado possa ser escolhido para julgar outra pessoa.
No dia da sessão plenária, o primeiro passo — logicamente — será a escolha dos julgadores daquele caso. O juiz vai resgatar a segunda urna e dará início ao sorteio aleatório. Cada parte pode recusar — sem justificar — até três jurados. Recusar o jurado sem magoá-lo é uma arte, afinal, quem se sentiria bem em ver seu nome escolhido e um promotor ou um defensor gritando um sonoro "recuso" junto ao microfone? É de bom tom, ao menos, pedir desculpas antes de abrir mão dele.
Uma vez selecionado o time de julgadores, é hora do compromisso. A lei exige um ato solene em que todos os presentes ficam de pé para ouvir cada jurado prometer que julgará a partir de dois pilares: a própria consciência e os ditames de Justiça. Está formado então o Conselho de Sentença.
Os componentes desse Conselho podem conversar entre si. Só não podem conversar sobre os fatos relacionados ao processo. Isso é proibido e, para isso, o juiz vai fazer uso de seus auxiliares, os oficiais de Justiça. Eles vigiarão os jurados durante todo o julgamento, dure o tempo que durar.
Iniciado o ato, testemunhas e acusado são ouvidos, outras provas podem ser apresentadas e, enfim, promotor e advogado irão para os debates. O momento mais esperado visa a apresentar ao Conselho de Sentença a cara e a coroa de uma moeda que representa o processo, percepções, muitas vezes, distintas de um mesmo fato ou conduta.
Findas as falas, o juiz chamará os jurados para a sala especial. Chega o momento de decidir. A eles serão submetidas perguntas que só cabem duas respostas: sim ou não. Cada um ficará com uma cédula de cada resposta. Após a leitura da pergunta, o oficial passa recolhendo cada resposta de cada jurado. O outro oficial, por seu turno, recolhe a ficha que sobrou. Tudo em segredo, afinal, ninguém pode saber como o jurado votou.
Ao final, o juiz proferirá sua sentença baseada no que foi decidido por meio dessas respostas dos jurados, o chamado veredito. A leitura da sentença será pública e solene, com todos os presentes em pé. Umas vezes, choros de alívio; outras vezes, choros de tristeza.
O jurado, personagem fundamental para a realização da Justiça nos crimes de sangue, traz consigo uma simbologia quase sacra junto ao Tribunal do Júri e todas as solenidades que o cercam. Homens e mulheres, representando a comunidade em que vivem, param suas vidas para decidir acerca do destino de um acusado que supostamente burlou as regras mais caras e necessárias para o convívio social. Nenhum julgamento pode ser mais legítimo do que esse.
*Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
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