Visão do direito

Visão do direito: os 30 anos do Estatuto da Advocacia

"Conjunto de normas do Estatuto assegura ao advogado exercer a sua profissão com independência, dentro do Estado Democrático de Direito, da forma mais ampla possível"

Ibaneis Rocha -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Ibaneis Rocha - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Por Ibaneis Rocha* — No próximo 4 de julho, completarão redondos 30 anos a Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia, instituído no mesmo ano em que, por coincidência, recebi da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, então presidida pelo advogado Esdras Dantas, autorização formal — o número de inscrição e a sonhada carteira me permitindo exercer uma profissão que continua a guiar os meus passos na vida pública.

É quer ser advogado carrega, sim, uma dose de orgulho, mas em contrapartida uma carga de responsabilidade muito grande. O advogado tem a obrigação de zelar diuturnamente pela conduta irrepreensível do exercício profissional, sob pena de quebrar o alicerce da Justiça.

Em síntese, o conjunto de normas do Estatuto assegura ao advogado exercer a sua profissão com independência, dentro do Estado Democrático de Direito, da forma mais ampla possível. Garante ao advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia.

Lembro aqui a lição do nosso patrono, Ruy Barbosa, segundo a qual o advogado não se subordina, na atuação profissional, a nenhum poder humano, a não ser à sua própria consciência e à lei.

Mas nada disso é obra do acaso. Importante recordar, e homenagear, a luta para se alcançar essa condição em um país cuja história democrática é marcada por golpes e contragolpes dissociados da vontade popular. O regulamento inicial da advocacia, esboçado desde os conturbados anos de 1930, foi modificado diversas vezes, até surgir, em 27 de abril de 1963, a Lei 4.215, que foi o Estatuto da Ordem (lembrando que no meio tivemos um golpe militar), até sua revogação pelo atual Estatuto da Advocacia e da OAB.

No começo, as disposições normativas sempre trataram a advocacia como o exercício de uma profissão liberal pura. Mas com a criação de novos cursos jurídicos, o perfil do advogado mudou, ocorrendo o fenômeno da proletarização da classe, transformando o profissional, em larga escala em um assalariado, dependente de uma relação de emprego, quer no setor público, quer no setor privado. Para se ter uma ideia, o Distrito Federal possui um quadro de mais de 50 mil advogados. Está à frente de Pernambuco, onde nasceu a primeira faculdade de Direito, juntamente com São Paulo.

A modificação do perfil da advocacia foi fundamental para a elaboração do atual Estatuto, que ganhou corpo no final da década de oitenta, na gestão de Márcio Thomaz Bastos (1987-1989). O texto, entretanto, foi considerado insatisfatório e superficial, pois optava apenas por atualizar a Lei anterior.

Nos mandatos de Marcelo Lavenère (1991-1993) e José Roberto Batochio (1993-1995), a reforma do Estatuto passou a ser tratada como prioridade. Foi eleita uma comissão integrada pelos conselheiros Paulo Luiz Neto Lôbo (relator), Júlio Candella, Eli Alves Forte, Jayme Paz da Silva e Elide Rigon, que receberam mais de 700 propostas para o anteprojeto, finalizado a 12 de abril de 1992 e enviado imediatamente ao Congresso Nacional.

Apoiado por diversos parlamentares sob a liderança do inesquecível deputado Ulysses Guimarães, o projeto foi sancionado pelo presidente da República, Itamar Franco. O grande mérito do Estatuto foi dar expressão completa ao Art. 133 da Constituição Federal de 1988, sem deixar de assegurar o livre exercício do habeas corpus independentemente da mediação advocatícia, adaptando a legislação da Ordem às novas estruturas democráticas.

Além disso, permitiu traçar novos rumos para a profissão e contemplar a figura do advogado empregador e do advogado empregado, sem, porém, retirar-lhes a independência profissional, a obediência de suas prerrogativas e dos princípios éticos, fundamentos essenciais do exercício da advocacia, inclusive, dando relevo à missão social do advogado.

Essa missão requer ao advogado manter vivo o dever cívico que habita cada um de nós para mostrar à sociedade o inconformismo diante de qualquer ameaça àquilo que foi conquistado no terreno das liberdades e da democracia. E, claro, para destacar a importância da Justiça dentre as instituições essenciais ao Estado democrático de Direito.

"Ser advogado carrega, sim, uma dose de orgulho, mas em contrapartida uma carga de responsabilidade muito grande. O advogado tem a obrigação de zelar diuturnamente pela conduta irrepreensível do exercício profissional, sob pena de quebrar o alicerce da Justiça"

"Lembro aqui a lição do nosso patrono, Ruy Barbosa, segundo a qual o advogado não se subordina, na atuação profissional, a nenhum poder humano, a não ser à sua própria consciência e à lei".

*Advogado e governador do Distrito Federal

Consultório Jurídico

Por Rubens Beçak (Professor de graduação e pós-graduação da USP. Mestre e doutor em Direito Constitucional e Livre-docente em Teoria Geral do Estado da USP)

  •  Rubens Beçak, professor de Graduação e Pós-graduação da USP, mestre e doutor em direito Constitucional e Livre-docente em Teoria Geral do Estado da USP
    Rubens Beçak, professor de Graduação e Pós-graduação da USP, mestre e doutor em direito Constitucional e Livre-docente em Teoria Geral do Estado da USP Arquivo Pessoal

Qual é a sua opinião sobre as recentes decisões do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular todos os atos da Operação Lava-Jato contra o empresário Marcelo Odebrecht?

Essa é uma decisão que vem na direção que o Supremo vem sinalizando, de um tempo para cá, da anulação de uma série de atos ligados com a Operação Lava-Jato e as condenações que foram feitas, considerando que foi decidido, num ponto de vista formal, que uma série de atos praticados pelo então juiz, hoje senador Moro, estavam contagiados de vícios formais.

As decisões do Supremo têm que ser acatadas, têm que ser respeitadas. Se não se faz isso, nós não temos o primado da Corte Constitucional atuante, não temos equilíbrio de Poderes e não temos democracia. Mas eu critico veementemente essa decisão e outras que vêm sendo dadas, notadamente pelo ministro Toffoli, no sentido de que, não do ponto de vista formal, mas o que essas decisões acabam representando de um ponto de vista da compreensão pela população, do que são as decisões judiciais, do que são as decisões dadas pelo Supremo.

A população tem que ter a compreensão de que o sistema funciona, ela não consegue entender por que toda uma série de decisões dadas ao longo dos anos, em várias instâncias, acaba por ser, afinal, desmontada por uma decisão.

A decisão vai ser aproveitada em todos os outros casos que ainda faltam por ser anulados e vai haver uma perda para o sistema tremenda, acordos de leniência que vinham sendo pagos, até confirmados e pagos, com plena consciência das partes ali, os réus. Logo, ficam anulados os valores, para além de não mais serem pagos, terão que ser devolvidos também a parte que os vinha pagando, então realmente é uma coisa notável.

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postado em 13/06/2024 06:00
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