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Namoro, união estável e casamento: entenda os detalhes e diferenças

Rótulos podem ser confusos, mas Regina Beatriz Tavares da Silva, doutora em direito pela USP, explica os detalhes da legislação

 2024. Eixo Capital. Regina Beatriz Tavares da Silva, doutora em direito pela USP, sócia fundadora de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados (RBTSSA) e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) -  (crédito:  Divulgacao)
2024. Eixo Capital. Regina Beatriz Tavares da Silva, doutora em direito pela USP, sócia fundadora de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados (RBTSSA) e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) - (crédito: Divulgacao)

Por Regina Beatriz Tavares da Silva*: 

Quais os direitos dos parceiros apenas em namoro em relação aos casais com união estável?

O namoro é uma relação afetiva que não gera direitos, não tem efeitos jurídicos, enquanto a união estável constitui uma família e tem praticamente os mesmos efeitos do casamento, com efeitos jurídicos, como o direito à pensão alimentícia se a relação termina e um dos conviventes é dependente do outro, comunhão de bens com direito à metade do patrimônio (imóveis, aplicações financeiras etc.) adquiridos onerosamente no curso da união estável e herança no falecimento de um dos conviventes, inclusive, em concorrência ou com os mesmos direitos de um filho do falecido.

Para configurar união estável o casal precisa dividir a mesma casa?

O Código Civil não estabelece a moradia sob o mesmo teto como requisito para a existência de uma união estável, sendo aí que reside o grave problema das confusões entre namoro e união estável. Duas pessoas podem morar em casas separadas e serem havidas como conviventes, com todos os efeitos antes referidos. A lei não exige que haja uma causa para a diversidade de domicílios. É absurdo isto, tendo em vista que a união estável produz os mesmos efeitos do casamento e no casamento a lei exige que para terem domicílios diferentes deve haver uma justa causa, ou seja, necessidades pessoais, familiares ou profissionais que imponham aos cônjuges moradias em locais diferentes, ou seja, sem divisão da mesma casa.

O que a legislação exige?

A lei somente exige que a relação seja pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Por isso, namoros, no término da relação, podem ser confundidos com uniões estáveis, o que pode provocar injustiças, com o enriquecimento indevido de um dos namorados. Por isso, no ano de 2004, logo após a entrada em vigor do atual Código Civil, para evitar essas confusões, criei um documento que se chama Declaração de Namoro, em que os namorados declaram que não vivem em união estável, o qual pode ser assinado em documento particular ou em escritura pública, preferencialmente com duas testemunhas que atestem que a relação é de namoro e não houve a formação de uma família.

Quais são as mudanças previstas no projeto de reforma do Código Civil no que se refere a casais de namorados?

O anteprojeto de reforma do Código Civil, que se transformará em projeto de lei no Senado, não propõe a correção na lei dos requisitos da união estável, como deveria fazer. Não propõe que haja o requisito da divisão da mesma casa ou moradia sob o mesmo teto. Não propõe que haja um prazo mínimo de duração da relação para que produza efeitos jurídicos, o que também é um problema, porque o prazo está em aberto na lei atual, que somente estabelece que a relação seja duradoura. Na maior parte dos outros países que regulamentam a união estável é estabelecido um prazo mínimo de duração e a moradia sob o mesmo teto ou na mesma casa. O anteprojeto apenas propõe a substituição na lei da expressão "objetivo de constituição de família" por constituição de "família", o que já é algo, mas não resolverá as confusões entre namoro e união estável.

Se uma pessoa tem dois relacionamentos, quem faz jus à pensão, herança e outros direitos?

No Brasil e em todos os países ocidentais, assim como em grande parte dos países orientais, vigora a monogamia. A monogamia no Brasil parte da própria Constituição Federal, que estabelece que somente a relação entre duas pessoas pode ser havida como família. No STF, quando foram atribuídos às relações entre pessoas do mesmo gênero os mesmos direitos das relações entre um homem e uma mulher, a monogamia também ficou muito clara nos votos dos ministros. E o STF julgou dois temas muito importantes para colocar fim à ideia que passou indevidamente a ser difundida de que uma relação paralela a uma união estável ou a um casamento poderia gerar efeitos, com a formulação de duas teses de repercussão geral pelas quais a relação paralela a um casamento ou a uma união estável é adultério e não gera qualquer efeito de direito de família, de direito das sucessões e de direito previdenciário. Na linguagem popular, "amantes" não são equiparados a pessoas casadas ou que vivem em união estável. Se existe um casamento com comunhão de vidas, ou seja, sem separação entre os cônjuges, ou uma união estável entre duas pessoas, um relacionamento paralelo é adultério. Assim, somente o cônjuge ou pessoa casada tem direito à pensão alimentícia ou previdenciária, à herança e à comunhão de bens.

*Doutora em direito pela USP, sócia-fundadora de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados (RBTSSA) e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).

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Por Samantha Teresa Berard Jorge (Advogada especialista em direito de família e sucessões, planejamento patrimonial e sucessório, integrante do Family Office do Briganti Advogados)

  • Samantha Teresa Berard Jorge, advogada especialista em direito de família e sucessões, planejamento patrimonial e sucessório, integrante do Family Office do Briganti Advogados
    Samantha Teresa Berard Jorge, advogada especialista em direito de família e sucessões, planejamento patrimonial e sucessório, integrante do Family Office do Briganti Advogados Divulgação

Um casal mantém uma união estável e um dos dois recebe uma herança. Em caso de separação, esses bens entram na partilha?

Em uma união estável sem regulamentação contratual, ou seja, sem um contrato particular ou uma escritura pública, será regido pelo regime da comunhão parcial de bens. Nesse regime, irão se comunicar todos os bens adquiridos pelo casal na constância do relacionamento, exceto os bens particulares, considerados os bens adquiridos antes da união estável, quando ainda solteiros, e os bens advindos por meio de doações ou por heranças.

Em caso de separação, os bens herdados pelos companheiros não se comunicarão ao outro e, portanto, não entrarão na partilha de bens. E, se porventura, no curso do relacionamento, os bens herdados tenham sido vendidos ou substituídos por outros, serão considerados como sub-rogados, de modo que também não irão se comunicar ao outro companheiro(a), sendo importante descrever na documentação essa característica a fim de comprovar a sub-rogação.

Contudo, o Código Civil prevê que haverá comunicação patrimonial dos frutos dos bens particulares recebidos na constância do relacionamento, por exemplo, aluguéis recebidos de imóveis alugados, juros de capital aplicável, renda de investimentos, dividendos e lucros de ações ou quotas sociais.

Já para os casais que tenham optado pelo regime da separação total de bens, estabelecido por meio de um contrato de união estável, não haverá comunicação patrimonial dos bens recebidos como herança, nem dos frutos desses bens, haja vista que esse regime não prevê qualquer tipo de comunicação patrimonial.

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postado em 13/06/2024 06:00
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