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Qual é o impacto da destruição dos imóveis no RS nos contratos de locação?

Ainda que estejamos diante de uma situação bastante delicada e específica, a Lei Federal n.º 8.245/91 (Lei de Locações), assim como o Código Civil, possuem elementos suficientes para dar o tratamento adequado ao tema

População vem sendo orientada a descartar o lixo nas ruas -  (crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
População vem sendo orientada a descartar o lixo nas ruas - (crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Por Giselle Vergal Lopes* — Qual é o impacto da destruição dos imóveis atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul nos contratos de locação?

São muitas as consequências jurídicas relacionadas aos aspectos imobiliários decorrentes da tragédia ocorrida no estado do Rio Grande do Sul. Aqui trataremos exclusivamente dos impactos nas locações de imóveis atingidos e as responsabilidades e direitos das partes.

Ainda que estejamos diante de uma situação bastante delicada e específica, a Lei Federal n.º 8.245/91 (Lei de Locações), assim como o Código Civil, possuem elementos suficientes para dar o tratamento adequado ao tema. Inicialmente, notem que a principal obrigação (legal) do locador é garantir ao locatário o uso contínuo do bem para o fim ao qual ele se destina. No caso de uma destruição total do imóvel, que por força de um desastre natural, cuja consequência é a perda do objeto contratual, ou seja, a não mais existência do bem (além dos seus destroços), não nos parece haver direito ao locador em continuar a receber aluguel por um bem que não mais existe.

No que se refere à obrigação de reconstrução do imóvel atingido, a posição mais razoável, de acordo com as disposições legais, é a atribuição da responsabilidade ao locador, proprietário do bem afetado. Por mais que a Lei de Locações preveja a obrigação do locatário em "(...) realizar a imediata reparação dos danos verificados no imóvel, ou nas suas instalações, provocadas por si, seus dependentes, familiares, visitantes ou prepostos", além do fato de que o contrato de locação perdeu o seu objeto (não existe mais o bem que havia sido locado), o dano ocorreu em decorrência de evento alheio à vontade das partes.

Se o imóvel afetado não tiver sido destruído em sua totalidade ou danificado a ponto de inviabilizar sua ocupação, ou seja, se puder ser utilizado, ainda que parcialmente, a situação é um pouco diferente e deve ser avaliada em algumas frentes distintas. Quanto à continuidade do recebimento do aluguel pelo locador, o tema precisa ser analisado de forma individual e de acordo com as peculiaridades de cada caso, pois vai depender das condições em que estiver o imóvel, do interesse e necessidade do locatário frente ao dano que afetou o bem.

Pode-se atribuir, por exemplo, um valor de aluguel parcial, proporcional à área que puder ainda ser ocupada pelo locatário, algum período de carência ou outra condição que somente poderá ser avaliada de forma concreta. A responsabilização de reparação ou recomposição do imóvel, novamente, pelos mesmos fundamentos legais mencionados acima, a responsabilidade deverá ser atribuída ao locador, uma vez que não há, neste caso, qualquer participação ou culpa do locatário no evento que deu causa ao dano, excetuando-se a hipótese de o locatário ter assumido o risco em responder por prejuízos resultantes de eventos de força maior, de maneira expressa e inequívoca, sendo esta uma condição possível, válida juridicamente e, inclusive, prevista no Código Civil.

Contudo, mesmo se possível a reconstrução do imóvel ou sua ocupação parcial, devemos questionar: será que é do interesse do locatário se manter naquele local? Além de questões próprias e particulares de cada locatário, a não-responsabilização por prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior é aplicável para as hipóteses nas quais não era possível prever o evento que causou o dano. Hoje temos diversos indicadores que demonstram (até mesmo por mapas interativos) as informações e estatísticas de regiões de risco (futuro) que poderão sofrer novamente as consequências, sejam elas hidrológicas — inundações ou alagamentos — ou geológicas.

Este é um fator que deve ser considerado para as futuras relações locatícias (ou para as que serão mantidas) e, certamente, trará muitas interpretações jurisprudenciais e doutrinárias diferentes, além de impactos jurídicos às relações contratuais. No mais, recomendamos sempre avaliar se nos contratos de locação firmados (especialmente em casos de locações não residenciais) há previsão da contratação de seguro patrimonial para cobrir danos ao imóvel locado, cuja apólice pode ser acionada (desde que haja a previsão de cobertura de prejuízos sofridos em decorrência de algum fenômeno natural). Desse modo, caso exista a contratação securitária, recomenda-se verificar na apólice se a cobertura abrange enchentes, deslizamentos e outros eventos semelhantes.

*Giselle Vergal Lopes é sócia do escritório Viseu Advogados, especialista em direito processual cível pela PUC-SP e em direito imobiliário pela Universidade Secovi-SP.

 


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postado em 06/06/2024 04:00 / atualizado em 06/06/2024 04:00