Entrevista — João Carlos Souto

Trump: especialista comenta o que condenação pode mudar no futuro político

Professor de direito constitucional e mestre e doutor em direito, João Carlos Souto explica que o sistema criminal nos Estados Unidos é mais rigoroso, com penas mais altas, e tempo mais alto para o condenado alcançar algum benefício, como progressão

Mesmo condenado, Trump permanece candidato à sucessão do presidente Joe Biden e é considerado favorito. -  (crédito: POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
Mesmo condenado, Trump permanece candidato à sucessão do presidente Joe Biden e é considerado favorito. - (crédito: POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)

A condenação do republicano Donald Trump a 34 acusações de fraude contábil chamou a atenção dos brasileiros não apenas pela importância do personagem no cenário mundial. Também pelas semelhanças e diferenças entre os processos criminais e eleitorais dos Estados Unidos e do Brasil. Em entrevista ao caderno Direito&Justiça, o procurador da Fazenda Nacional João Carlos Souto, autor do livro Suprema Corte dos Estados Unidos — Principais Decisões (4ª ed/2021, Editora Atlas), explica o impacto da condenação histórica do ex-presidente por ocultar um pagamento de US$ 130 mil para comprar o silêncio da atriz pornô Stormy Daniels na eleição de 2016, quando se elegeu presidente, derrotando a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton.

Professor de direito constitucional e mestre e doutor em direito, João Carlos Souto explica que o sistema criminal nos Estados Unidos é mais rigoroso, com penas mais altas, e tempo mais alto para o condenado alcançar algum benefício, como progressão. Em compensação, o Judiciário tende a interferir o mínimo possível nas eleições. Lá não existe Lei da Ficha Limpa, que tira do jogo políticos envolvidos em crimes, e as condenações pouco afetam as candidaturas. Por isso, mesmo condenado, Trump permanece candidato à sucessão do presidente Joe Biden e é considerado favorito.

João Carlos Souto, Professor de Direito Constitucional (UDF), Mestre e Doutor em Direito (Suma Cum Laude, CEUB), procurador da Fazenda Nacional e autor do livro ‘Suprema Corte dos Estados Unidos – Principais Decisões’ (4ª ed/2021, Editora Atlas).
João Carlos Souto, Professor de Direito Constitucional (UDF), Mestre e Doutor em Direito (Suma Cum Laude, CEUB), procurador da Fazenda Nacional e autor do livro ‘Suprema Corte dos Estados Unidos – Principais Decisões’ (4ª ed/2021, Editora Atlas). (foto: Divulgação)

Donald Trump é o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a ser condenado por um crime. Mesmo assim, ele continua pré-candidato à Presidência. Como funciona o processo de inelegibilidade nos Estados Unidos?

Os Estados Unidos atribuem enorme importância à soberania popular, ao voto. Tanto que é comum nas eleições a cada dois anos a realização de consultas populares, coisa que não temos aqui no Brasil, para tratar de temas como, por exemplo, liberar a briga de galo ou o uso da cannabis. Há entendimento de que o Judiciário deve se intrometer o mínimo possível nas eleições. Observe que o caso Bush x Gore que decidiu as eleições do sucessor de (Bill) Clinton, que acabou sendo George W. Bush, foi decidido pela Suprema Corte, mas foi uma raridade. Nunca antes a Suprema Corte havia se intrometido para decidir eleição presidencial. Nos Estados Unidos, não há a figura da Lei da Ficha Limpa. Quem decide não é o juiz. Não é o Judiciário. Quem decide se alguém deve ou não ser candidato é o povo.

Trump foi condenado em 34 acusações. Por que não foi decretada a prisão?

Porque o crime a que ele foi condenado não é um crime grave. É uma questão de crime eleitoral. Ele vai completar 78 anos de idade e também nunca havia sido condenado antes a qualquer outro tipo de crime. Então, se juntar essas três situações, ele é um réu primário.

O que acontece se Trump, que é apontado como favorito nas eleições americanas deste ano, for eleito? Ele cumpre a pena que será imposta pelo juiz na condição de presidente?

Se ele for eleito, será uma situação bizarra, mas ele pode, sim, exercer a Presidência da República. Como eu disse, a chance de ele ser preso é mínima. Não é impossível, mas é muito difícil, inclusive, Nova York é um estado liberal junto com a Califórnia, junto com Vermont. Esse tipo de crime não é comum ser apenado com prisão. No máximo uma detenção domiciliar, alguma coisa desse tipo, ou pagar uma multa.

Ele poderá votar nas eleições?

A Lei da Florida proíbe que condenado possa votar e ele não poderia votar, salvo se for revertido em segunda instância. Também não poderá usar arma.

Caso seja eleito, poderia conceder um indulto a si mesmo?

O indulto nos Estados Unidos tem uma amplitude muito grande. Mas ele não poderia conceder indulto a si mesmo, porque se trata de condenação estadual e não federal, inclusive, essa é uma constatação fática que derruba as alegações inverídicas dele de que o (Joe) Biden o estaria perseguindo. Como Biden vai persegui-lo se essa ação foi proposta pelo Ministério Público do estado de Nova York e julgado pela Justiça estadual? De forma que Biden não tem interferência nenhuma nesse processo. Então, Trump não poderia conceder indulto a si próprio a não ser que se tratasse de crime federal, ainda assim seria polêmico.

Segundo integrantes da campanha de Trump, a candidatura do republicano recebeu uma substancial ajuda na arrecadação depois da condenação. Na sua opinião, o eleitor de Trump não liga para as acusações de fraude, não respeitam o veredicto?

O eleitorado não está dando muita importância. Basta lembrar que em 2016 ele foi acusado naquele caso chamado Access Hollywood, quando uma gravação veio a público em que ele disse que tinha uma atração muito grande por mulheres e, como ele era uma celebridade, poderia costumeiramente se aproximar das mulheres pegando na genitália. Em nenhum momento, ele contestou isso. Ele disse que poderia dar um tiro na cabeça de alguém na 5ª Avenida que nada aconteceria. Como a situação nos Estados Unidos está extremamente polarizada, ele é o candidato da direita e da extrema direita. Então é o que se tem. E o Partido Republicano, que já foi chamado de partido da lei e da ordem, foi dominado por ele e não está dando muita importância para esse tipo de comportamento.

Trump foi condenado por um júri. Na sua avaliação, até que ponto a influência política impactou esse resultado?

Muito pouco ou quase nada. São 12 membros do júri escolhidos tanto pelos advogados de Trump quanto pela Promotoria de Nova York. Então, acho que a influência política é mínima. São 12 cidadãos nova-iorquinos. Eram 34 acusações e ele foi condenado em todas por unanimidade. Aliás, lá tem que ser unanimidade. Se não fosse unanimidade, ele não teria sido condenado nas 34 acusações.

Qual a principal diferença entre os processos criminais brasileiro e americano?

Essa é uma pergunta um pouco complexa. Uma das diferenças básicas é que aqui só temos júri em casos de crimes contra a vida. Nos Estados Unidos, tem júri para praticamente tudo, inclusive, em júri cível se as partes assim optarem, por incrível que pareça. Aqui são sete membros. Lá são 12. No processo criminal nos Estados Unidos, as penas tendem a ser mais duras, mais amplas e com possibilidade de saída mais postergada, um prazo maior de cumprimento de pena do que no Brasil e alguns crimes nos Estados Unidos não são sujeitos a progressão de pena. É o que se chama without parole, sem a possibilidade de sursis, suspensão condicional da pena.

Acredita que se Trump for eleito presidente poderá de alguma forma ajudar Bolsonaro que está inelegível e pode, inclusive, ser preso?

Eles são de idênticas correntes políticas. É possível que haja uma ajuda, mas daí a dizer que será decisivo não creio. E ele tem muita coisa para se preocupar com o Oriente Médio, com Israel, Ucrânia, a presença russa na África. Os Estados Unidos têm muito a se preocupar com a fronteira com o México. Não acredito que tenha tempo para se preocupar com a eleição no Brasil.

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postado em 06/06/2024 04:00 / atualizado em 06/06/2024 04:00
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