Visão do direito

Solo Seguro Favela leva dignidade e segurança jurídica a comunidades

Com vigência e eficácia nacional, o Solo Seguro Favela tem por finalidade fomentar ações sociais, urbanísticas, jurídicas e ambientais relativas à Regularização Fundiária Urbana (Reurb)

Segundo dados do IBGE, o Brasil tem cerca de 11.400 favelas, onde vivem aproximadamente 16 milhões de pessoas -  (crédito: Diego Baravelli - Wikimédia Commons)
Segundo dados do IBGE, o Brasil tem cerca de 11.400 favelas, onde vivem aproximadamente 16 milhões de pessoas - (crédito: Diego Baravelli - Wikimédia Commons)

Por Carolina Ranzolin Nerbass*, Liz Rezende de Andrade* e Luciano Almeida Lima* — Presentes em todos os estados do Brasil, sobretudo nos grandes centros, as favelas representam um desafio para o desenvolvimento urbano e para a inclusão social. Segundo dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem cerca de 11.400 favelas, onde vivem aproximadamente 16 milhões de pessoas (8% da população), em um total de 6,6 milhões de domicílios.

Apesar das dificuldades enfrentadas por seus moradores, essas comunidades evidenciam grande capacidade de organização e resiliência, construindo suas próprias moradias e desenvolvendo seus próprios serviços. Nesse contexto, a regularização fundiária surge como instrumento fundamental para garantir direitos sociais básicos à população ali residente e para promover a transformação urbana, gerando importante impacto positivo no campo socioeconômico.

Foi pensando nessa parcela mais vulnerável de população brasileira que o Corregedor Nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, editou o Provimento nº 158, de 5 de dezembro de 2023, no propósito de instituir, no âmbito do Poder Judiciário, o Programa Permanente de Regularização Fundiária Plena de Núcleos Urbanos Informais e Favelas — "Solo Seguro Favela".

Com vigência e eficácia nacional, o Solo Seguro Favela tem por finalidade fomentar ações sociais, urbanísticas, jurídicas e ambientais relativas à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), incorporando núcleos informais ao ordenamento territorial urbano e titulando seus ocupantes com os respectivos registros imobiliários, com fundamento na Lei nº 13.465/2017.

O lançamento do programa ocorreu em cerimônia no Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro, em 8 de dezembro de 2023, data em que se comemora o Dia da Justiça. Na ocasião, foram entregues 80 títulos de propriedade, em uma ação que envolveu a participação de órgãos municipais e estaduais, do Poder Judiciário e dos cartórios de registro de imóveis.

A ideia do programa surgiu a partir da experiência bem-sucedida obtida no âmbito do Programa Permanente de Regularização Fundiária na área territorial dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, instituído pelo Provimento nº 144, de 24 de abril de 2023, e que, na sua primeira semana de mobilização, ocorrida entre os dias 28 de agosto e 1º de setembro de 2023, promoveu a entrega de mais de 31 mil títulos de imóveis registrados nos estados Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

A importância da Regularização Fundiária

De acordo com o estudo intitulado "Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira — 2023", publicado pelo IBGE, tratando, dentre outros temas, das condições de moradia, em 2022, faltava documentação para 13,6% dos brasileiros residentes em domicílios próprios.

Além dos já conhecidos problemas que a informalidade da ocupação territorial traz, como insegurança jurídica, ausência de acesso a crédito e a serviços públicos, o contexto dos núcleos urbanos informais apresenta uma peculiaridade que merece a devida atenção: em razão do processo de formação, as comunidades são marcadas por escassez de infraestrutura urbana, o que compromete a própria qualidade de vida de seus moradores.

A regularização fundiária urbana, assim, vai além da simples legalização da propriedade. Seu objetivo principal é integrar a área regularizada ao espaço urbano de forma social, econômica e ambientalmente sustentável. Isso significa garantir aos moradores acesso à infraestrutura e aos bens e serviços públicos e privados, como água, luz, transporte, educação e saúde, assegurando o direito fundamental à moradia digna e de qualidade para todos.

Os atores do processo

Para que a regularização fundiária se concretize, é fundamental uma ação conjunta de diversos atores. Os governos desempenham papel crucial, à medida em que a Lei nº 13.465/2017 conferiu responsabilidade ao Poder Executivo, sobretudo ao municipal, para coordenar e supervisionar o processo de regularização.

As agências e as instituições governamentais, como secretarias de habitação, institutos de terras e órgãos de proteção ambiental, têm a tarefa de identificar, demarcar e analisar a documentação dos imóveis, emitindo os títulos de propriedade.

Os cartórios de registro de imóveis são atores essenciais na regularização fundiária. Eles têm a responsabilidade de verificar a documentação apresentada e de registrar o título no nome do novo proprietário. Ao realizar essas tarefas de forma eficiente e precisa, os cartórios garantem a validade e a proteção dos direitos de propriedade.

O Poder Judiciário, no exercício da atividade fiscalizadora dos registros públicos, por meio da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão central de governança da atividade notarial e registral, também tem dado importante contribuição para viabilizar a regularização fundiária, estabelecendo e mantendo diálogo permanente com a administração pública e com a sociedade para o enfrentamento da informalidade, da grilagem de terras, além de fomentar a atuação das corregedorias estaduais como grandes catalizadoras do acionamento dos atores envolvidos no processo de regularização.

O procedimento envolve, ainda, uma série de profissionais, como advogados, engenheiros agrimensores, arquitetos e assistentes sociais, que fornecem orientação técnica, jurídica e social aos beneficiários do processo de regularização. Seus conhecimentos e suas experiências ajudam a garantir que o processo ocorra de maneira justa, eficiente e respeitando os direitos das partes envolvidas.

Por fim, há os beneficiários da regularização fundiária, sejam eles proprietários de pequenas áreas urbanas, agricultores familiares ou membros de comunidades tradicionais. Ao receberem o título de propriedade devidamente registrado, eles se tornam agentes de mudança em suas comunidades.

Dessa forma, os atores da regularização fundiária desempenham papéis complementares e essenciais para o desenvolvimento nacional. Cada um contribui para essa extensa e complexa cadeia de procedimentos necessários para viabilizar a execução dessa importante política pública.

A Semana Nacional de Mobilização

Para coroar todo esse trabalho conjunto que vem sendo realizado, de 3 a 7 de junho de 2024, está ocorrendo a semana de conscientização acerca da importância da Reurb, em várias favelas do Brasil, bem como de mobilização de esforços para promover a entrega de títulos de propriedade registrados à população que vive nelas.

Na abertura da semana, ocorrida na cidade de São Paulo, na última segunda-feira, dia 3 de junho, no bairro Heliópolis, foram entregues 35 títulos de propriedade para moradores daquela comunidade. Durante a semana nacional de mobilização do Solo Seguro Favela, a previsão é de que sejam entregues, em todo o país, mais de 17 mil títulos de propriedade registrados.

Com essas ações, espera-se investir no futuro do Brasil, na construção de um país mais justo e fraterno, contribuindo para a inclusão social, a segurança jurídica, o ordenamento territorial, o desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental, em benefício não apenas das comunidades atendidas, mas de toda a sociedade brasileira.

"A regularização fundiária surge como instrumento fundamental para garantir direitos sociais básicos à população ali residente e para promover a transformação urbana, gerando importante impacto positivo no campo socioeconômico".

*Carolina Ranzolin Nerbass é juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça.

*Liz Rezende de Andrade é juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça.

*Luciano Almeida Lima é servidor da Corregedoria Nacional de Justiça.

 


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postado em 06/06/2024 05:00 / atualizado em 06/06/2024 05:00
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